Para 59%, ser humano é resultado de uma evolução guiada por Deus; somente 8% não acreditam em interferência divina. Pesquisa mistura evangélicos e testemunhas de Jeová e diz que, para estes, o livro de Gênesis não é unanimidade. As informações obtidas pela pesquisa realizada no Brasil contrastam com as colhidas nos EUA, mas se aproximam dos resultados na Europa. Em 1950, o papa Pio 12, na encíclica “Humani generis”, classificou o darwinismo como “hipótese séria” e afirmou que a igreja não deveria rejeitá-la, embora tenha advertido para o mau uso que os comunistas poderiam fazer dessa teoria. Em 1996 foi a vez de João Paulo 2º declarar que a evolução era “mais do que uma hipótese”. Também entre evangélicos, a literalidade do Gênesis, o livro da Bíblia que relata a criação do mundo e do homem, está longe de unânime. Na verdade, só algumas poucas denominações como adventistas e Testemunhas de Jeová pregam abertamente contra a evolução. Boa parte das demais se limita a apontar “problemas” no neodarwinismo, tentando reservar algum espaço para Deus, que pode ter papel mais ou menos ativo. Ele pode ser desde o demiurgo, que se limitou a criar o mundo com todas as suas leis (incluindo a seleção natural), e retirou-se até o “Deus ex machina” que interfere o tempo todo, projetando bichos, atendendo a preces etc. Em tese, qualquer uma dessas posições se encaixa na afirmação de que Deus e evolução atuam juntos. Ela funciona como um guarda-sol que abriga desde católicos estritos a deístas, passando por entusiastas do “design inteligente”, que nada mais é do que criacionismo com pretensões científicas. Teologia intuitiva Como os adeptos de religiões que defendem a literalidade do Gênesis não chegam nem perto de 25% da população, é forçoso reconhecer que a boa parte das pessoas que abraçaram a hipótese de Adão e Eva o fez seguindo suas próprias intuições, sem prestar muita atenção ao que afirmam suas respectivas lideranças espirituais. Essa impressão é reforçada quando se considera que a adesão ao criacionismo bíblico se distribui de forma generosa entre todos os credos. Umbandistas (33%) e evangélicos pentecostais (30%) ficam um pouco acima da média nacional, mas católicos comparecem com 24% e evangélicos não pentecostais, com 25%. Outros países Uma nota curiosa vai para os que se declaram ateus. Entre eles, 7% também se classificam como criacionistas da Terra jovem e 23% como partidários da evolução comandada por Deus. Os resultados obtidos no Brasil contrastam com os colhidos nos EUA, mas se aproximam com os de nações europeias. Entre os norte-americanos, a proporção de criacionistas bíblicos chega a 44%. Os evolucionistas com Deus são 36%, e os neodarwinistas puros, 14%. Esses números foram apurados em 2008 pelo Gallup, numa pesquisa que vem sendo aplicada naquele país desde 1982 e que serviu de modelo para a sondagem do Datafolha. Em relação à Europa, o Brasil se encontra mais ou menos na média. De acordo com uma pesquisa de 2005 do Eurobarômetro, que aferiu o número de pessoas que rejeita a evolução, os criacionistas por ali variam de 7% (Islândia) a 51% (na islâmica Turquia), com a maioria dos países apresentando algum número na casa dos 20%. Darwinismo: Fé não pode se sobrepor à ciência SANDRO JOSE DE SOUZA A pesquisa abre espaço para interpretações otimistas e pessimistas. Os otimistas dirão que 67% dos brasileiros acreditam na evolução. Os pessimistas, que 25% não acreditam na evolução e que 59% acreditam que a evolução tenha sido um processo guiado por Deus. Tanto otimistas quanto pessimistas têm razões para comemorar. Não é desprezível que 2/3 da população brasileira acreditem na evolução, principalmente se nos compararmos com países de indicadores educacionais mais sólidos. Contudo também não é desprezível que 1/4 da população ignore as evidências científicas sobre a evolução. Mesmo entre aqueles com curso superior, 17% acreditam que Deus criou o homem. A ideia de uma primeira causa na figura de um Deus, apesar de não ser científica, é legítima. Esta corrente do criacionismo, o evolucionismo teísta, é a mais moderada, no sentido que aceita todas as evidências científicas, mas mantém Deus como agente causal. O evolucionismo teísta, no entanto, não pode ser tratado como ciência devido à sua natureza metafísica. A existência ou não de Deus não pode ser testada e por isso não é científica, e sua aceitação depende de um estado da mente chamado de fé. A evolução, por outro lado, é fato corroborado por evidências científicas acumuladas nos últimos 150 anos. Me incluo entre os otimistas. Contudo, a predominância de uma visão teísta na população brasileira gera um risco de que assuntos da fé sobreponham-se a assuntos da ciência. Aulas de ciência devem se ater à ciência. Temos visto figuras públicas manifestarem-se a favor da equiparação entre evolucionismo e criacionismo. Escolas brasileiras já ensinam criacionismo em aulas de ciência. Tal absurdo coloca em risco a formação de milhões de brasileiros. SANDRO JOSE DE SOUZA é pesquisador do Instituto Ludwig e autor de A Goleada de Darwin Criacionismo: Teoria é mal compreendida MICHELSON BORGES Quando nos deparamos com o desafio de explicar eventos passados únicos e irreproduzíveis, como a origem da vida e a origem do ser humano, acabamos ultrapassando as fronteiras da metodologia científica e utilizamos inevitavelmente conhecimento suplementar de natureza não científica (o que não significa necessariamente conhecimento anticientífico). O evolucionista utilizará conhecimentos oriundos do naturalismo metafísico (componente não científico do evolucionismo). E o criacionista verificará a possibilidade de se harmonizar o conhecimento científico com o conhecimento bíblico (componente não científico do criacionismo). Dos entrevistados, 25% acreditam que Deus criou os seres humanos exatamente como são hoje. São, portanto, fixistas. Ao contrário desses, criacionistas bem informados entendem que Deus dotou os seres vivos com a capacidade de variação, o que lhes permite sobreviver em ambientes diferenciados adquirindo adaptabilidade ao meio: a isso chamam de microevolução. Segundo o criacionismo, Deus criou os tipos básicos de seres vivos e eles sofreram modificações, dentro de limites preestabelecidos. Dizer que elas descendem de um mesmo ancestral unicelular comum é extrapolação. As grandes questões para as quais parece não haver respostas satisfatórias são: qual a origem da informação complexa, aperiódica e específica? Qual a origem dos códigos zipados, encriptados, compartimentados e com uma lógica algorítmica que tem em seres inteligentes sua única causa? O criacionista, partindo da ideia de planejamento e propósito inteligentes na criação, consegue fornecer boas respostas para essas questões -mas, primeiro, precisa ser ouvido e compreendido. MICHELSON BORGES é jornalista e editor do blog www.criacionismo.com.br Associar ciência e ateísmo só traz prejuízos EDUARDO CRUZ Estatísticos e cientistas concordam que dados obtidos por levantamentos como este podem trazer muitas mensagens diferentes. Veja-se o curioso dado de que a proporção de respostas entre as três opções é mais ou menos a mesma, independente do grupo religioso. Pode parecer muito estranho, pois a maioria dos líderes católicos escolheria a alternativa A, enquanto a maioria dos evangélicos defenderia a B (“criacionista”). Acontece que há muitos estudos de ciência da religião que procuram explicar a “incorreção teológica” dos fieis, apesar de muitas vezes a doutrinação ser maciça. No caso brasileiro também temos grande facilidade para a mobilidade religiosa e a dupla pertença. O que pode se supor é que o grosso da população brasileira forme suas opiniões não nos jornais, nos cultos ou na escola, mas a partir de uma vaga consciência cristã-católica tradicional que ainda pervade nossas mentes. Valeria o mesmo para os ateus? É claro! Se fosse pelos líderes, tipo Richard Dawkins, poderia se esperar que 100% das respostas seriam C. Só 56% o indicaram. “Incorreção ateia”? Bem provável. Talvez o aspecto mais importante seja uma tentação que assola críticos do criacionismo: partindo dos dados, que indicam que pessoas de maior escolaridade tendem a escolher menos a alternativa criacionista, assume-se que esta esteja ligada à ignorância e à superstição, enquanto a teoria da evolução “ateia” estaria ligada à racionalidade científica. Mesmo depois de bater nesta tecla durante décadas, a comunidade acadêmica americana viu crescer o número de adeptos de uma criação recente. A história de tal paradoxo é muito grande para ser contada aqui, portanto, oferecemos três rápidas considerações: 1º) os líderes criacionistas são em geral pessoas com alta escolaridade; 2º) Muito do ensino de ciências no ensino médio é ainda algo doutrinário; 3º) Temos o testemunho de Marcelo Gleiser, que sugere que a associação da cultura científica com o ateísmo só traz prejuízo à ciência e aliena pessoas religiosas que poderiam ser aliadas numa defesa sustentada da evolução darwiniana. EDUARDO R. CRUZ é professor titular do Departamento de Ciências da Religião da PUC-SP Folha de São Paulo |