Por Alfredo Sirkis*/Congresso em Foco

“A inevitável explosão (maior ou menor) em torno da PEC 300 abre oportunidade para rediscutir a fundo a histórica desfuncionalidade da carreira policial no Brasil”

A crise no Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro poderia ter sido evitada com um mínimo de previsão, bom senso e diálogo. O desvio de função retirando-os da defesa civil para tapar buracos na saúde, a persistência de um padrão salarial degradado e a falta de diálogo levaram à quebra de hierarquia e a formas de luta questionáveis. No final, fica um desgaste persistente que irá fatalmente se refletir na qualidade desse serviço vital para a população. Pois essa crise foi
uma antecipação, em escala local,  do potencial tsunami institucional que se avoluma no horizonte do Brasil resultante da má gestão político-institucional da PEC 300, que nivela os salários de policiais militares, civis e bombeiros de todo o país aos da PM do Distrito Federal.
O ministério do planejamento adverte que isso custaria mais de R$ 50 bilhões e que não só os estados não teriam condições de pagá-lo como o governo federal não conseguiria apoiá-los
para tanto. Isso, porém, não impediu a base parlamentar do governo Lula de ter, em ano eleitoral, votado massivamente a PEC 300, aprovando-a nas duas casas legislativas com uma mudança no Senado que obriga a fazê-la passar novamente na Câmara onde, agora, a bancada do governo está instruída a não deixá-la prosperar.

Já se esboça uma forte mobilização de policias,  existe no ar
uma intensa sensação de frustração com acusações de traição ao governo e à sua
base parlamentar. Os setores mais fisiológicos da base governista já saboreiam
essa nova gota de sangue no mar de tubarões. Corremos o risco de mobilizações de
rua de policiais civis, militares e bombeiros, confrontos, motins, numa escala
inédita.

O Titanic navega a todo vapor rumo ao iceberg mas não parece
haver sentido de alerta na ponte de comando. O governo não vai escapar de algum
grau de concessão para pagar o preço de ter lidado com a questão de forma
eleitoreira em passado recente. É de um cinismo sem limites terem votado por
conveniência eleitoral o que hoje consideram algo “totalmente inviável”.
Detalhe:  não o fizeram com aquela  relativa irresponsabilidade facultada à
oposição mas como base de governo. Em política pública, isso tem custo alto.
Aqui se faz, aqui se paga.

Mas há um lado de oportunidade em qualquer
crise. A inevitável explosão (maior ou menor) em torno da PEC 300 abre
oportunidade para rediscutir a fundo a histórica desfuncionalidade da carreira
policial no Brasil. A questão das “escalas de serviço”, do duplo emprego, das
nossas polícias de “bico”, a part time, onde a segurança pública acaba ocupando
a parte menor do tempo dos nossos policiais civis e militares e a maior acaba
dedicada a outra atividade remunerada frequentemente vinculada à segurança
privada. Isso produz  falta de efetivo, má qualidade de serviço e de
adestramento e estimula toda espécie de desvios.

Cabe um discussão séria
e um eventual sacrifício orçamentário de outros gastos de governo – pequeno
exemplo: acabamos de passar cerca de meio bilhão de reais de incentivo fiscal a
usinas nucleares, na MP 517 – para aumentos substanciais que, escalonados no
tempo, possam chegar ao padrão disposto na PEC 300, em troca da instituição, de
fato,  da dedicação exclusiva dos policiais à segurança pública com o fim  do
duplo emprego.

O eventual tempo livre, resultante dos atípicos horários
de trabalho policiais, ficaria dedicado ao adestramento e à formação
profissional permanente. Isso passaria também pela instituição de um fundo
nacional de segurança mais abrangente que, à semelhança do FUNDEB(Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) possa complementar salários
apoiando os estados. Nada disso será simples. Mas a qualquer momento periga
virar urgência urgentíssima…

 

 

 

 

* Deputado federal pelo Partido Verde (RJ), do qual é um dos
fundadores, tem 60 anos, e foi secretário de Urbanismo e de Meio Ambiente da
cidade do Rio de Janeiro e vereador. Jornalista e escritor, é autor de oito
livros, dentre os quais
Os carbonários (Premio Jabuti de 1981) e o
recente
Ecologia urbana de poder local. Foi um dos líderes do movimento
estudantil secundarista, em 1968, e viveu no exílio durante oito anos.

 

 

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Sirkis*

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