O corte de R$ 50 bilhões no orçamento anunciado ontem (9) pelo governo vai influenciar, de alguma maneira, na votação do aumento do salário mínimo. Atualmente o piso é R$ 540, o Planalto acena com um projeto nesta semana que fixa o valor em R$ 545, mas as oposições e as centrais defendem até R$ 600. Paralelamente, o corte anunciado inclui R$ 18 bilhões em emendas dos congressistas, ou 85% dos R$ 21 bilhões aprovados pelos próprios parlamentares.
Deputados da base e da oposição ouvidos pelo Congresso em Foco admitiram duas possibilidades de efeito da medida do governo. A primeira é alguma perda de votos nas fileiras do governo, que terá que ser administrada para não virar derrota, embora isso seja improvável neste momento. A segunda opção é contrária à primeira. Preocupados em recuperar suas emendas individuais futuramente – “Não há corte, há contingenciamento”, dizem os líderes da base –, os deputados votariam fielmente ao Executivo, para garantir a liberação das verbas no fim do ano ou no início de 2012, como restos a pagar.

O líder do PTB na Câmara é um dos que acham que está garantida a aprovação a votação do salário mínimo do jeito que quer Dilma Rousseff. “Se o voto for aberto, não perde nada”, afirmou o líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO). “Governo é governo. Se ele não é convencido do ponto de vista ideológico…”, continuou, ao se referir às emendas. “Seu patrão o trata de uma forma mais correta se você for mais correto com ele”, comparou. Rindo, um colega de oposição ao lado de Jovair dizia concordar com tudo.

A oposição no Senado também interpretou dessa maneira o corte de Dilma. “Isso vai ser usado para conter dissidências favoráveis a um salário mínimo maior. Fica uma ameaça de que os cortes [nas emendas] podem ser maiores se houver dissidências”, afirmou à Folha.com o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR).

O líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP), chegou a dizer ao Congresso em Foco que o governo fez os cortes agora por não ter certeza de que a base votaria unida pelo salário mínimo. Mas ele evitou classificar a associação entre as duas coisas como barganha política.
 
Esperança

A possibilidade de os cortes darem efeito contrário e aumentarem as insatisfações na base aliada é alimentada com esperança pelos parlamentares ligados às centrais sindicais, que já negociam uma estratégia com a oposição. O risco também é admitido por alguns petistas. “Evidente que a base de 380 votos para a próxima votação nós não vamos ter. Isso vai variar. Mas eu acho que a maioria a gente tem”, avaliou o ex-líder do PT na Câmara Fernando Ferro (PE). Ele disse ser preciso continuar negociando com os partidos aliados, incluindo as nomeações do segundo escalão do governo, para garantir a aprovação da matéria sem sustos.

A oposição quer pegar carona no movimento das centrais para tentar elevar o valor do mínimo acima dos R$ 545 e assim causar uma derrota ao governo Dilma. Na terça-feira que vem (15), sindicalistas e integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST) vão a Brasília pressionar por um piso salarial de R$ 580.

Ontem os deputados Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical, e Roberto Santiago (PV-SP), vice-presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), se reuniram com os líderes do PSDB e DEM. As centrais querem o apoio do PSDB, DEM e PPS para fazerem, sem apoio formal das lideranças do PDT e PV, emendas e destaques ao projeto do governo que ainda vai chegar. ACM Neto (DEM-BA) e Duarte Nogueira (PSDB-SP), que defendem valores um pouco diferentes dos sindicalistas, se comprometeram a conversar e a se unirem a eles, porque, afinal, todos querem um salário mínimo maior do que o proposto por Dilma Rousseff e sua equipe econômica.

Nas contas de Paulinho, todos os colegas do PDT vão assinar emenda por um mínimo de R$ 580. Nas de Santiago, que vai propor emenda de R$ 560, é possível colher as 103 assinaturas necessárias para propor a alteração. Ambos concordam que, pelo menos, é possível dificultar a vida dos governistas fiéis a Dilma.

“O governo vai abrir negociação”, acredita Santiago. Na segunda-feira, ele vai propor uma emenda de R$ 560, equivalente a aumento de 3% acima da inflação. Santiago quer que esse percentual seja descontado do reajuste que será concedido em 2012. Para o ano que vem, a previsão é que o aumento do salário mínimo seja de 12% a 14%, sem considerar a inflação.

Dificuldade sim, derrota não

O líder do DEM, ACM Neto, diz que a bancada tem a tendência de propor uma emenda para o salário ser de R$ 565. Ele acredita que o corte orçamentário e nas emendas dos deputados vai piorar a tramitação do mínimo na Casa. “É impossível que não haja uma reação, principalmente na base. É bom pra gente”, afirmou Neto.

O deputado não acredita, porém, que a mudança de humor dos parlamentares possa decretar uma derrota ao governo, tendo em vista a ampla maioria da base aliada na Câmara. ACM Neto acredita num clima de insatisfação futura. “Lá na frente vem o troco”, avaliou.

O PSDB de Duarte Nogueira fechou questão e vai defender os R$ 600 até o fim. Mas ele não descarta se unir às centrais para conseguir algum valor maior que o proposto pelo Executivo. “Vamos somar esforços na direção de um aumento mais razoável”, disse Nogueira.

“Sensibilidade”

Ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o deputado Vicentinho (PT-SP) diz que vai votar com o governo o mínimo definido, que os cortes são necessários e que não influenciarão nas votações. Mas não esconde a tristeza com a tesoura nas emendas. “Acho que o governo deveria ter sensibilidade”, afirmou ele. Vicentinho esperava cortes, mas não nas emendas.

O líder do PT, Paulo Teixeira (SP), diz que não haverá nenhuma influência dos cortes na votação do mínimo. “A bancada vai votar unida”, repete, encerrando o assunto. Teixeira disse a Vicentinho ter certeza de que a bancada está firme na votação com o governo.

Ontem, o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), repetiu o discurso que o partido está unido com o governo apesar dos cortes orçamentários.
A mesma opinião foi expressa pelo líder do bloco liderado pelo PR, Lincoln Portela (MG). Ele disse que a maior parte da bancada de 62 deputados vai votar com o governo. “Quem é base tem que ver a responsabilidade de ser base”, analisou Portela, depois de almoçar com a bancada do PR. Ele indica que pode haver uma negociação ainda. “O governo fechou R$ 545, mas continua fazendo contas.”
Congresso em foco

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