Fernanda Bassette – O Estado de S.Paulo

ENTREVISTA

Beto Barata/AE - 23/2/2011
Beto Barata/AE – 23/2/2011
Audiência pública. O presidente da Anvisa, Dirceu Barbano (dir.), e o diretor Neilton Araújo

Christian Torp-Pedersen, cardiologista

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realiza hoje um painel científico para tentar encerrar, definitivamente, a discussão sobre a proibição da venda de remédios para emagrecer. A ideia é banir quatro drogas: sibutramina, femproporex, mazindol e dietilpropiona.

Depois de realizar audiências públicas e debates no Senado e na Câmara, a Anvisa pretende chegar a uma conclusão hoje. Caso mantenha a intenção de cancelar os registros dessas drogas, o caso será enviado para decisão definitiva da diretoria colegiada.

O cardiologista Christian Torp-Pedersen, membro do comitê independente responsável pelo estudo Scout – que foi o gatilho para a proposta de proibição das drogas -, fará palestra sobre o assunto a convite da Anvisa. Em entrevista ao Estado, porém, ele afirma ser contra a retirada desses remédios do mercado.

O senhor faz parte do comitê que dirigiu o Scout. Quais são as principais conclusões?

O estudo mostrou que o tratamento prolongado em pacientes obesos com fatores de risco para doenças cardiovasculares aumentou em 16% a chance de enfarte ou derrame. Mas é importante lembrar que a população do estudo é totalmente diferente daquela que normalmente recebe o tratamento.Qual era o perfil do paciente avaliado no Scout?


Eram pessoas com alto risco para doenças cardiovasculares. Cerca de 80%
tinham diabete, 80% doenças cardiovasculares e 80% hipertensão.
O que causou o aumento de risco cardiovascular em quem tomou a sibutramina?
A análise do Scout não forneceu uma resposta clara. Os pacientes que tomaram
sibutramina apresentaram um estímulo moderado do sistema nervoso simpático, como
o aumento dos batimentos cardíacos. Provavelmente, o risco da sibutramina está
ligado ao estímulo do sistema nervoso simpático.
Os resultados dizem que a sibutramina aumenta o risco cardíaco e, por isso,
não deveria mais ser usada. Isso é válido para todos os pacientes obesos?
Não. O aumento no risco se mostrou apenas para pacientes com o perfil do
estudo Scout. Por isso, não há uma forma segura para extrapolar o resultado para
uma população de baixo risco. Ainda que se assuma que há um pequeno risco para
esses pacientes, a escolha da sibutramina pode ser a melhor decisão. Ela os
ajudará a perder peso e melhorar a qualidade de vida. Não há uma alternativa
mais segura e há necessidade de avaliar vantagens e riscos.
O senhor acha que a sibutramina e os outros emagrecedores deveriam ser
proibidos?
Não. Acredito que os remédios devem ser permitidos, e os riscos comprovados e
não comprovados devem ser explicados aos pacientes. Há necessidade de
medicamentos de redução de peso e não há alternativas mais seguras.
Qual a contribuição que o Scout traz para o debate?
Ele mostra que a sibutramina aumenta os riscos de enfarte e derrame em
pacientes com fatores de risco. É muito importante lembrar que as opções para os
obesos não são muitas e analisar a segurança das drogas é um problema geral, que
precisa ser avaliado caso a caso.
Os riscos dos emagrecedores são maiores do que os da obesidade não tratada?
Não há uma resposta simples. A obesidade pode causar doenças
cardiovasculares, reumáticas, apneia do sono, etc. Pacientes com obesidade
moderada, sem nenhuma outra doença, não devem ser tratados com drogas, mas sim
com dietas e exercícios. Obesos que não respondam a dietas e exercícios, e
tenham outros problemas, é melhor que sejam tratados com um remédio de risco
moderado do que ficar sem tratamento.
Existem outros medicamentos que também trazem riscos à saúde, mas continuam
no mercado?
Há vários deles. Por exemplo, o flecainide – usado para tratar fibrilação
atrial – foi associado a um aumento de mortalidade em pacientes com fatores de
risco. No entanto, está no mercado e cabe aos médicos decidir se vale a pena
utilizá-lo. Outro exemplo é o diclofenaco, usado para tratar dores. Pesquisas
indicam que esse remédio aumenta a mortalidade dos pacientes. Em vários países,
como no Brasil, é vendido no balcão sem avisos sobre riscos e segurança. Se a
sibutramina fosse proibida, outras drogas também deveriam ser. Não recomendo tal
medida, mas insisto na necessidade de um bom aconselhamento antes do uso.
Para a Anvisa, os riscos de usar sibutramina são maiores do que os
benefícios.
Eu discordo. Acredito que ela deve estar disponível no mercado com o devido
aviso sobre os riscos potenciais de enfarte e derrame. Ela pode ser a única
opção em casos difíceis.
QUEM É
É cardiologista do Hospital Gentofte e professor da Universidade de
Copenhague, na Dinamarca. É um dos pesquisadores do comitê que coordenou o
estudo Scout, que foi encomendado pelo fabricante e analisou os riscos do uso da
sibutramina em pacientes com doenças cardiovasculares.
PARA LEMBRAR
A discussão sobre a proibição da venda dos remédios para emagrecer no Brasil
começou no ano passado, quando a União Europeia resolveu banir a sibutramina
baseada nos resultados do Scout – estudo que avaliou o uso da droga em cerca de
10 mil pacientes.
Pouco depois, o fabricante da sibutramina decidiu retirar a droga de
circulação nos EUA. Desde então, a Anvisa vem debatendo o tema com sociedades
médicas. No ano passado, a agência mudou a classificação desses remédios para
anorexígenos e restringiu o receituário para tornar a venda mais difícil. A
medida teve efeito e, segundo a própria Anvisa, a venda despencou.
Em fevereiro, porém, a agência propôs o cancelamento do registro dos remédios
usados para emagrecer. Para isso, apresentou um relatório elaborado por uma
câmara técnica apontando que os riscos dessas drogas à saúde não superam os
benefícios. A classe médica contesta os argumentos da agência.

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