Um famoso ensaio do pensador André Malraux (1901-1976) ensinava, já na década de 1940, que o cinema, por mais que tenha aproximações com a arte, é uma indústria. E é essencialmente industrial a festa que o mundo verá na noite de hoje.

O Oscar, com as futricas sobre as roupas das estrelas, é o prêmio encarregado de nutrir a aura glamurosa do cinema e, com isso, manter na casa dos bilhões de dólares esse negócio que também é arte.

Foi quase sempre com um olho pregado na silhueta artística de Hollywood que os integrantes da Academia trabalharam. Por mais que representassem a indústria, os indicados deveriam ter um quê de sofisticação. Pois, neste ano, os votantes parecem ter voltado os olhos, também, para os cifrões que os filmes geraram.

Entre os dez indicados, cinco romperam a casa dos US$ 100 milhões e três deles foram os filmes mais vistos de 2009: “Avatar”, “Up – Altas Aventuras” e “Um Sonho Possível”.
Uma reportagem do “Wall Street Journal” atrelou a nova estratégia da Academia, de alinhar-se ao gosto de um público mais amplo, à busca pela audiência na TV. De acordo com o jornal, bilhões de pessoas acompanham o Oscar em cerca de 150 países. Mas, de 1998, quando “Titanic” arrebanhou 11 estatuetas, até 2009, a audiência só caía. No ano passado, houve uma recuperação e o espetáculo foi visto por 36 milhões de pessoas. A expectativa é que, hoje, graças à popularidade de alguns dos indicados, o número seja batido.
O aumento no número de indicados e a mudança no perfil dos filmes já teve, porém, alguns efeitos. Os cinemas nos Estados Unidos, e também no Brasil, não tiveram do que reclamar nos meses de janeiro e fevereiro. Para se ter uma ideia, enquanto, em 2006 –quando “Crash” venceu–, as bilheterias, nos EUA, somaram US$ 1 bilhão nos dois primeiros meses do ano, foram arrecadados, até o último final de semana, US$ 1,8 bilhão.
“O público fica mais atento ao assunto cinema nesse período e presta atenção em filmes que talvez não tivessem tanto apelo”, diz Patrícia Kamitsuji, diretora-presidente da Fox Film do Brasil, que tem, na disputa, “Avatar”, “O Fantástico Sr. Raposo” e “Coração Louco”.
Adhemar Oliveira, sócio do circuito Unibanco Arteplex, observa que, neste ano, o impacto foi maior também porque muitos dos indicados ainda não tinham estreado nos cinemas. “Como o Oscar é um festival de mercado, que as pessoas podem acompanhar no mundo todo, é natural que mais gente queira ver os filmes depois das indicações. Quando eles já saíram de cartaz, essa publicidade do prêmio não adianta mais.”
Foi o que aconteceu em 2006 e 2007, quando os vitoriosos, “Crash” e “Os Infiltrados”, já tinham sido lançados em DVD nos Estados Unidos –até porque os produtores não imaginavam que esses filmes cairiam no gosto da Academia.
Com o aumento no número de indicados, supõe-se que mais filmes possam ser beneficiados pelo bafafá e pela mídia decorrentes do prêmio. Mas Kamitsuji pondera que não é bem assim. “O que importa é se o filme teve indicações nas categorias principais, não só na categoria melhor filme.”

Oliveira acha, inclusive, que o excesso pode embaralhar as cartas do jogo em busca dos espectadores. “Isso talvez desvalorize um pouco a indicação”, diz o empresário. “Outro risco é que o público, não conseguindo mais ver todos os filmes, tenha o interesse diluído.”

Folha

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