do G1

O ex-marqueteiro do PT João Santana em um dos depoimentos da delação premiada fechada com a PGR (Foto: Reprodução)

O ex-marqueteiro do PT João Santana em um dos depoimentos da delação premiada fechada com a PGR (Foto: Reprodução)

Um dos delatores da Operação Lava Jato, o marqueteiro João Santana afirmou nesta quarta-feira (17), por meio de nota, que ele e a mulher, a publicitária Mônica Moura, cancelaram, em fevereiro do ano passado, uma passagem de retorno ao Brasil após terem sido alertados pela então presidente Dilma Rousseff sobre a expedição de uma ordem de prisão contra o casal (leia a íntegra do comunicado ao final desta reportagem) – a ex-presidente diz que as declarações de Santana e Moura na delação premiada são “mentirosas”.

Na nota, o publicitário responsável pelas campanhas presidenciais de Dilma em 2010 e 2014 também contesta trechos de entrevista concedida pelo ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo ao jornal “O Globo” na qual o petista nega que tenha havido caixa 2 nas duas eleições.

Segundo Santana, o ex-titular da Justiça – que atuou como advogado de Dilma no julgamento do processo de impeachment – agiu “de forma cínica” ao afirmar que não houve pagamentos não contabilizados nas campanhas de 2010 e 2014. “Pra cima de mim, José Eduardo?”, ironizou o marqueteiro em trecho da nota.

O publicitário e a mulher dele foram presos em 23 de fevereiro do ano passado, na 23ª fase da Lava Jato – batizada de Acarajé. Eles foram soltos seis meses depois por ordem do juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância.

Em fevereiro deste ano, o magistrado do Paraná condenou o casal a 8 anos e 4 meses de prisão por lavagem de dinheiro. Dois meses depois, o ministro Edson Fachinm relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada dos dois marqueteiros.

Cancelamento de passagem

Depois de ressaltar que não há contradições nos relatos feitos por ele e pela esposa à Procuradoria Geral da República (PGR), o marqueiteiro destaca no comunicado que uma das provas de que a ex-presidente da República os alertou sobre a prisão “iminente” é o fato de que eles cancelaram uma passagem comprada antecipadamente de retorno da República Dominicana para o Brasil.”Por que cancelaríamos nosso retorno ao Brasil, dias antes, com passagem comprada e com reserva já confirmada ? ( A Polícia Federal chegou a esse detalhe através de investigação feita na época)”, questiona o publicitário na nota.

João Santana indaga ainda no comunicado qual seria o motivo, a não ser a advertência da ex-presidente, de ele e a mulher terem chamado o advogado Fábio Tofic – à época, o responsável pela defesa deles – à capital da República Dominicana poucos dias antes da deflagração da Operação Acarajé, na qual o juiz federal Sérgio Moro expediu ordem de prisão do casal.

“Se não estivéssemos sendo informados da iminência da prisão, porque chamaríamos, na sexta, 19 de fevereiro, o nosso então advogado, Fabio Tofic, para que viesse às pressas a S. Domingos?”, questiona o publicitário.

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, em imagem de março, em São Paulo (Foto: Paulo Paiva/G1)O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, em imagem de março, em São Paulo (Foto: Paulo Paiva/G1)

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, em imagem de março, em São Paulo (Foto: Paulo Paiva/G1)

Cardozo aponta contradições

Após a divulgação da nota de João Santana, o ex-ministro José Eduardo Cardozo também se manifestou por meio de nota para contestar a argumentação do marqueteiro e apontar “contradições” entre as delações dele e da mulher, Mônica Moura (leia a íntegra da nota ao final desta reportagem).

“O que chama atenção é que, com esta manifestação, o publicitário não só não esclarece a clara contradição entre o seu depoimento e o de Monica Moura, mas como a reitera. De fato, basta verificar os depoimentos dos delatores e a nota em questão, para que se constate a evidente contradição, sobre os momentos e as maneiras pelas quais teriam sido hipoteticamente avisados da sua prisão pela presidenta Dilma Rousseff”, afirma Cardozo na nota.

O ex-ministro atribuiu a nota do publicitário à necessidade de comprovar as declarações que deu na delação, a fim de obter “condições mais vantajosas para o cumprimento de uma sanção penal”.

Nota de João Santana

Leia a íntegra da nota divulgada por João Santana:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

A grotesca e absurda entrevista do advogado José Eduardo Cardozo ao Globo faz-me romper o compromisso – que tinha comigo mesmo – de somente tratar dos termos das colaborações, minha e de Mônica, no âmbito da Justiça.

Desta forma, digo de forma sucinta (e reservo detalhes para momentos apropriados) :

1. Não há nenhuma contradição naquilo que Mônica e eu afirmamos sobre as informações recebidas, em fevereiro de 2016, a respeito de nossa prisão iminente. Quando disse que soube da prisão pelas câmeras de segurança de minha casa -acessadas por computador desde a República Dominicana – referia-me ao óbvio : foi naquele momento, na manhã do dia 22 de fevereiro, que eu vi, de fato e realmente, a prisão concretizada.

2. Antes, sabíamos, por informações da presidente Dilma, que a prisão seria iminente. Seu último informe veio no sábado, em e-mail redigido com metáforas, cuja cópia está anexada aos termos da nossa colaboração.

3. Apenas para ficar em dois indícios não devidamente noticiados : se não estivéssemos sendo informados da iminência da prisão, porque chamaríamos, na sexta, 19 de fevereiro, o nosso então advogado, Fabio Tofic, para que viesse às pressas a S. Domingos?

4. Por que cancelaríamos nosso retorno ao Brasil, dias antes, com passagem comprada e com reserva já confirmada ? ( A Polícia Federal chegou a esse detalhe através de investigação feita na época).

5. Com relação ao Caixa-2, o advogado Cardoso insiste também na versão surrada expressa a mim, desde 2015, pela presidente Dilma, de que o “altíssimo custo” oficial da campanha seria uma prova vigorosa de que não houvera “pagamentos não contabilizados”. Este argumento não se sustenta para qualquer pessoa que conheça os altos custos e a realidade interna das campanhas.

6. Diz, também, de forma enviesada que haveria um espécie de acordo tácito entre eu e Marcelo Odebrecht para misturar caixa dois das campanhas do exterior com a campanha de Dilma. É uma mentira deslavada : nos nossos depoimentos está bem discriminado o que são campanhas do exterior e campanhas do Brasil.

7. De forma cínica diz que não houve caixa dois nas campanhas de 2010 e 2014. Pra cima de mim, José Eduardo?

8. Para finalizar, afirmo que as únicas vezes que menti sobre a presidente Dilma – e isso já faz algum tempo – foi para defendê-la. Jamais para acusá-la. Lamento por tudo que ela, Mônica e eu estamos passando. A vida nos impõe momentos e verdades cruéis.

JOÃO SANTANA

Nota de José Eduardo Cardozo

Leia abaixo a íntegra da nota do ex-ministro José Eduardo Cardozo, divulgada após a manifestação de João Santana:

*NOTA À IMPRENSA*

A respeito da nota divulgada pelo publicitário João Santana, acerca de entrevistas que concedi sobre as claras contradições existentes entre os seus depoimentos e os de sua esposa Monica Moura, em delação premiada, afirmo e esclareço que:

1. É esperado que alguém defenda, inclusive com deliberada veemência e indignação, os termos de uma delação que firmou com a finalidade de obtenção de condições mais vantajosas para o cumprimento de uma sanção penal. Afinal, a não comprovação dos depoimentos prestados pelos delatores levará à perda das vantagens pretendidas.

2. Todavia, o que chama atenção é que, com esta manifestação, o publicitário não só não esclarece a clara contradição entre o seu depoimento e o de Monica Moura, mas como a reitera. De fato, basta verificar os depoimentos dos delatores e a nota em questão, para que se constate a evidente contradição, sobre os momentos e as maneiras pelas quais teriam sido hipoteticamente avisados da sua prisão pela presidenta Dilma Rousseff.

3. Reitero, por fim, que no caso da prisão de João Santana, nem a Polícia Federal, nem o Ministério Público, nem o Poder Judiciário quebraram o sigilo da operação, avisando a mim, então ministro da Justiça, das prisões antes do momento apropriado. Apesar da possibilidade da prisão, naquele período, ser abertamente especulada pela imprensa, fui comunicado da existência de mandado de prisão a ser executado, como rotineiro, no momento da sua concretização. Foi nesse instante que, ao ser cientificado, cumpri meu dever funcional informando à senhora presidenta da República da prisão de João Santana e da Monica Moura.

José Eduardo Cardozo, ex-Ministro da Justiça e ex-Advogado Geral da União

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