G1/ Reportagem: Thiago Reis e Ana Carolina Moreno

Dois Brasis totalmente distintos. É o que mostram os dados do Censo Escolar 2014 no que diz respeito à infraestrutura das escolas urbanas e rurais do país. No quesito saneamento básico, o abismo é enorme. Os números revelam, por exemplo, que 70% das escolas da área urbana contam com esgoto encanado, ante 5% das rurais. Como não contam com rede de esgoto, 80% das escolas rurais dependem de fossas. Mas o que chama a atenção é que 15% não têm nenhum tipo de estrutura para lidar com os resíduos.

Além disso, enquanto 94% das escolas urbanas possuem conexão com uma rede de água, só 27% das rurais contam com a ligação. O restante depende de poços artesianos, cacimbas ou fontes naturais. E o mais preocupante: 14% têm serviço de água inexistente.

Os dados, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foram tabulados a pedido do G1 pela Fundação Lemann e pela Meritt, responsáveis pelo portal QEdu.

Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann, diz que as escolas rurais são um grande desafio. “Muitas vezes elas ficam em regiões com más condições de infraestrutura, que vai desde energia a saneamento básico. Esse cenário dificulta muito garantir uma infraestrutura escolar adequada. Em muitas localidades têm se percorrido um caminho de nucleação de escolas, abrindo-se escolas em locais com melhor infraestrutura, fechando as escolas rurais sem condições e garantindo transporte escolar para os alunos. Mas esse caminho não é tão simples de se seguir em todas as regiões.”

Para especialistas ouvidos pela reportagem, é preciso que exista um modelo de escola do campo, adequado às necessidades locais.

É necessário que a gente pense na realidade do Brasil como um todo. Uma coisa são as escolas urbanas, onde há uma estrutura que permite um certo investimento, onde chega a rede de água até a escola, a rede de esgoto. Quando a gente fala de escolas rurais, percebe coisas que não são viáveisJoaquim Soares Netoex-presidente do Inep e professor da UnB

“É necessário que a gente pense na realidade do Brasil como um todo. Uma coisa são as escolas urbanas, onde há uma estrutura que permite um certo investimento, onde chega a rede de água até a escola, a rede de esgoto. Quando a gente fala de escolas rurais, percebe coisas que não são viáveis. No Norte do país, por exemplo, como fazer para a rede de água chegar se a escola fica a centenas de quilômetros?”, questiona Joaquim Soares Neto, ex-presidente do Inep e professor da Universidade de Brasília (UnB). “A gente não pode querer um padrão urbano para regiões rurais.”

O pesquisador Thiago Alves, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concorda. “É inegável a necessidade de garantir condições de qualidade ao aluno da escola do campo: água, esgoto sanitário, lixo. Mas a forma de garantir essa infraestrutura, às vezes, pelo contexto do campo, é diferente”, diz.

Existem hoje no país 122.214 escolas na área urbana e 67.604 escolas na área rural, totalizando 189.818 instituições de ensino básico. A distribuição demográfica, porém, é diferente, já que as escolas rurais concentram menos alunos (12% do total de matrículas).

Veja a comparação da infraestrutura das escolas urbanas e rurais, por cidade, em oito diferentes itens:

  • ACESSIBILIDADE
  • REDE DE ESGOTO
  • REDE DE ÁGUA
  • COLETA DE LIXO
  • QUADRA DE ESPORTES
  • BIBLIOTECA
  • INTERNET
  • SALA DOS PROFESSORES
Área urbana

33%

Área Rural

6%

  • 0 a 20%
  • 21% a 40%
  • 41 a 60%
  • 61% a 80%
  • 81% a 100%
Abismo

A oferta de espaços também é bastante discrepante entre os ‘dois Brasis’. Na área urbana, 44% das escolas têm uma quadra de esporte; na rural, esse número cai para 10%. Quase metade (48%) das escolas urbanas conta com uma biblioteca, contra apenas 13% das rurais.

A vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Manuelina Martins, diz que hoje a maioria das escolas rurais são municipais. “É difícil achar uma escola estadual na área rural. Isso porque o munícipe está próximo do prefeito para cobrar. O problema é que, além de manter a escola, é preciso providenciar o transporte das crianças na maior parte das vezes. Então, a educação rural se torna muito mais cara. E é mais difícil levar investimentos a esses locais. Se nem na área urbana os municípios dão conta, imagine em locais mais afastados.”

Isso tem feito com que muitas escolas rurais sejam fechadas. São mais de 10 mil a menos apenas nos últimos cinco anos, de acordo com números do Censo Escolar.

É necessário um projeto de escola do campo. Educar a criança do meio rural no meio rural, com qualidade, garantindo professor, infraestrutura, funcionamento básico, equipamento de escola boaThiago Alvespesquisador da Universidade Federal do Paraná

Para Thiago Alves, no entanto, a questão do custo não pode se sobrepor. “É necessário um projeto de escola do campo. Educar a criança do meio rural no meio rural, com qualidade, garantindo professor, infraestrutura, funcionamento básico, equipamento de escola boa. Muitos gestores, por questão de custo ou de concepção, defendem transportar os alunos para a cidade porque é mais barato. A gente precisa enfrentar de fato essa questão, reconhecendo a importância do meio rural. A gente precisa dessas pessoas no meio rural, mas que elas tenham um ensino de qualidade. Senão, a gente vai comer o quê?”, questiona.

O professor Joaquim Soares Neto diz que a infraestrutura diferente entre as áreas não pode acarretar em negação de direitos dos alunos da zona rural. “Quando a gente fala de direitos, fala de todos os alunos terem educação de qualidade. Aquela criança [na escola rural] tem direito básico como outra qualquer”, diz o pesquisador, mesmo que, entre os 48,7 milhões de estudantes, só 5,8 milhões estejam matriculados em escolas do campo. “Tem que olhar isso e realmente ter programas específicos para as escolas rurais. Tudo isso, na minha opinião, exige soluções específicas, visando que essas crianças tenham acesso ao direito à educação de qualidade.”

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