Depois de publicar seu último artigo, em outubro de 2001, o “Hebdomadário Estado do Sertão”, de proposta essencialmente crítico-ensaística, lança o mais novo texto de Elomar Figueira Mello: “Incômpt et Impromptus”. Escrito em 27 de março de 2014, o artigo faz uma citação da coragem destemida dos fabulistas gregos Fedro e Esopo, para, como que um desabafo, sem ter a quem indagar, fazer uma reflexão sobre o trânsito em Vitória da Conquista. Para ler, acesse o “Hebdomadário Estado do Sertão”, na Porteira Oficial de Elomar Figueira Mello:

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Por Rossane Nascimento

Terssália, Urgente – Do Correspondente especial de Guerra para o Estado do Sertão

 Elomar Figueira Mello. 

Incômpt et Impromptus*

Há muitos, muitos séculos passados, coisa de dois mil quinhentos e um bom punhado de anos, viveu na lendária Grécia um escravo muito inteligente e destemido. Veio a este mundo com distorções físicas cruéis; era deformado de rosto e de corpo, corcunda rejeitado por quem quer que o olhasse, contudo senhor de um fino espírito crítico e pleno de sabedoria na separação do que é justo, daquilo que é perverso. No meu juízo eu sempre o tive como o mais importante dos pré-socráticos, mesmo que relegado a um simples fabulista pelo tribunal classificatório da pedante e preconceituosa academia dos tempos modernos. Digo mais, Sócrates não passa de um simples pós-Ele. Mesmo sendo escravo encoleirado, sua superioridade intelectiva forçou em seu senhor o reconhecimento da grandeza de sua pessoa, não só consentindo o assentamento de seu fabulário, – de crítica severa e implacável à Ordem sistêmica de então – como também o alforriando após a ciência de tal fato. Seu nome, Esopo.

Quinhentos anos após os dias deste genial escravo – por quais caprichos não se sabe – surge em Roma um outro igualmente escravo e quasímodo também, também fabulista de verve similar que não só vertera para o Latim as fábulas daquele, como também criou outro belíssimo bestiário, num compendio de histórias que envolvendo como personagens os animais passavam lições de fundo moral para a estúpida e cruel sociedade sua coetânea, este chamava-se Fedro.

Estes dois grandes fabulistas, do baixo de suas míseras condições de escravo, ante o estado de injustiça e tirania que reinava em seus pobres dias de vida aqui na terra, tiveram a ousadia e a coragem de se alevantar contra aquela sociedade perversa que os esmagava como insetos peçonhentos sob o tacão de suas botas e sapatilhas. Escreveram curtíssimos ensaios críticos em forma de fábulas, estórias onde todo enredo se passa no mundo dos animais num tempo em que os bichos falavam. Pois bem, hoje passados mais de vinte séculos de Esopo e Fedro, no que pese o estúpido “avanço” alcançado pela sociedade humana, o quadro não mudou, déspotas e tiranos continuam com a plena conivência da mesma sociedade, a nos esmagar como insetos peçonhentos sob a luz do mesmo sol que os outrora alumiava.  O quadro continua, nada mudou. Apenas uma coisa mudou, não existe mais um escravo encoleirado, como Esopo, nem algum Fedro, são outras as coleiras marteladas pelo consumismo escravizante e mais que estúpido, tendo como gravame maior a pusilanimidade, a frôxura que achaca o grande rebanho encoleirado pelo pescoço. Quando aqueles escreveram suas peças, em momento algum se deixaram ser assaltados por temores noturnos de retaliações, execuções sumárias, juízos singularíssimos, o que era tido como próprio, natural e justo naquela época. Inspirados pela fagulha divina – que não vinda do panteão Grego ou Romano – sentiram-se no dever de clamar em brava voz por amor de si mesmos e extensivamente aqueloutros destituídos de verve e tribuna.

Não tendo no presente, eu, a quem indagar, face ao despreparo geral que tomou conta desta pobre geração, inquiro eu a quem (?). Não tendo mínimus, minimorum de uma ideia a quem me dirigir, vez que a Ordem despersonificou in totum o meu falso defensorium que o “avanço” da sociedade descaradamente me mente eu possuir!; se indago ao mar “veloz a vaga resvala como um cúmplice fugaz”; aos poderes constituídos (?), são sequazes de presas afiadas; ao meu vizinho que perpassa (?), vocifera-me: Tu está atrasado, cara!; do intelectualóide ouço: é a fúria do capitalismo selvagem! E assim é uma só cantiga de grilo em obstinatum.

– Mas Cavaleiro, eu aqui estou à sua inteira disposição, desde que você chegou, tentando me convencer de que eu – por questão de justiça e educação – devo pelo menos me fazer de gentil e educado, durante o tempo máximo que meu sistema sensitivo possa suportar lhe ouvir, na esperança de que se faça logo concluir esta exposição longérima de fatos…

– Desculpas, desculpas, rogo-me dar por escusado, si’l vous plait.
– Vá logo na mosca, rapaz, arrasta o gatilho.
– Ora, ora, onde estávamos?!
– Sei lá! Não estávamos, você é que estava e agora está completamente perdido mais que perro dê pobre chê em dia dê  mudança!
– “Aí é que está seu engano
Apenas tirei um cochilo
Sonhei que tava pescano
Nas Marge do Rio Nilo
E lá peguei uma traíra
Que só a cabeça deu um quilo”.
– Ave, Louro!

Perdido? Se de novo engana meu amigo. Lascado está você que é brasileiro e que é frôxo. Que aceita tudo que lhe é imposto, tudo que lhe fere, que lhe muito causa mal durante os dias e as noites quando se queda em revisão de coisas e fatos e… que quando não elogia, entra em silêncio na presença de seu predador que lhe ceifa e lhe colhe em feixes como se faz à erva do campo.

Eu sou filho desta terra, Serra do Peri Peri, no que pese ser radicalmente urbanófono, tenho formação superior em Arquitetura e Urbanismo; isto em quadra pretérita quando a Universidade Brasileira sobretudo a da Bahia não era assistida por simples professores, sim por mestres. Pelo que ,estou a falar de cátedra.

Estou aqui referindo-me parabolicamente, ao assalto de que foram tomados não só os comerciantes das vias radiais do quadrante noroeste desta cidade (Avenida Brumado, Pará e interparalela) como todos os que por ela perpassam no entra e sai ,face às bruscas e impensadas mudanças de sentido de trânsito que ali recentemente se implantou.
Creio que os técnicos tiveram a melhor das intenções de aprimoramento na vazão daquelas artérias, no que pese o populismo do propício do momento. Todavia não acertaram. O tiro saiu pela culatra! Casos deste modelo não se resolvem com quebra- molas, mãos e contra mãos, “pares”, sinaleiras, etc. Não se pode jogar dados, tem-se que  ser feito estudos profundos sobre as causas e, em seguida, por dedução aristotélica, diagnosticar o fator ou fatores que estão provocando o assoreamento que emperra a melhor fluidez do trânsito.

Esta cidade alcançou (infelizmente!) o estágio de arrancada para o grande avanço explosivo, contudo pelo despreparo em que se encontra, piriga, dentro de pouco tempo, implodir. Está lentamente aos poucos tendendo à morte por asfixia, porquanto, necessita de um tratamento de urgência. E é bom lembrar que num corpo moribundo não se começa um tratamento por dedos e artelhos, ataca-se logo, aprioristicamente o tronco: onde está o coração, pulmões, estômago e intestino.

As cidades são organismo como que vivos, se parecem com as árvores, nascem, crescem e morrem. E a morte delas, assim como das árvores, se dá pelo cerne, o miolo, no caso, o centro.  E como já é tarde até que arde, vou me recolher. Antes, porém, vou contar uma historinha curta:

Uma, quatro, etc. vezes eu tive que com o violão nas mãos me confrontar com grande orquestra e apresentar uma só peça ou composições durante hora e mais para plateias de mil ou duas mil pessoas. O fiz (e todas as vezes que isto se deu) sem titubear, sem o menor deslize, sendo no final ovacionado pelas plateias onde contentes batiam os corações.

Por favor, e, por um outro lado, não me chame para instalar um programa nesta zorra de computador. Tô fora, nun sei!

Os incômpts – parafraseando meu saldoso amigo Vinícius de Moraes – e aqueles que são de impronptus, que me perdoem, competência é fundamental.

Casa dos Carneiros, no minguante da Lua.

Elomar Figueira Mello.

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