NOTÍCIAS DA TV | CARLOS AMORIM

Walcyr Carrasco, notável autor de telenovelas e com algumas incursões na literatura, deve ter batido com a cabeça em algum lugar. Ocupa nesse momento o espaço mais nobre (e mais caro) da televisão brasileira: a novela das nove na TV Globo, esse fenômeno capaz de parar o país quando a trama é boa.

Mas o trabalho atual do escritor, curiosamente chamado de Amor à Vida, se transformou numa confusão que será lembrada pelos tempos afora. Carrasco, talvez pela força do sobrenome, resolveu bater em tudo e em todos _e ao mesmo tempo. Fez da novela um saco de gatos, onde todos são, no mínimo, rematados canalhas. A única personagem que prestava tinha câncer e morreu. E morreu no altar, vestida de noiva, para voltar como uma assombração.

E o protagonista, rapaz bonzinho do subúrbio, que era um modesto corretor de imóveis, acaba tentado pela mulher do sogro e ainda vira empresário. E essa mulher do sogro, de uma beleza extraordinária, foi alçada à condição de vilã-mor da narrativa de Walcyr. Apesar da aparência impressionante, a personagem fica devendo na interpretação, até porque não tem a menor sutileza. É má mesmo, basta olhar para ela. E isso não é uma opção da atriz: está escrito.

O autor decidiu erguer aos olhos do espectador, de uma só vez, todos os problemas do mundo. Temos filhos que não sabem quem são os pais (coisa frequente no gênero). Temos a suposta falta de vergonha habitual nas elites, repetindo a máxima de Honoré de Balzac (“Por trás de toda fortuna há sempre um crime”, escrita em 1901). E a questão da adoção de crianças por casal homoafetivo. E advogados ardilosos. E a mulher mais velha se relacionando com o jovem (isso é tão velho!). E amor e sexo na terceira idade. E o gay casado que é empurrado para fora do armário pela própria mulher, garota de programa aposentada, cujo filho, aliás, não é dele, mas do próprio pai. E a garota boazinha do subúrbio se apaixona pela primeira vez, justamente por um homem mais velho, que (acreditem!) foi amante da própria mãe. E a garota vira evangélica, concordando com a tendência ecumênica da TV Globo. Mas os evangélicos do Walcyr usam camisas abotoadas até o colarinho e parecem imbecis. E até o conflito entre palestinos e israelenses está presente na novela.

Nem o genial Nelson Rodrigues, nas suas espetaculares crônicas (“A Vida Como Ela É…”, por exemplo), jamais ousou colocar tantos dilemas numa única história. Por quê? Porque o público procura algumas identificações básicas com os personagens. Talvez duas ou três dessas identificações. Mas não dezenas delas.

Essa confusão talvez responda pelo o que está acontecendo com a audiência. A novela tem tido modesto desempenho. E o pico da audiência ocorreu nos capítulos em que o gay-malvado-empurrado-para-fora-do-armário foi espancado pela própria irmã. Essa irmã (pasmem!) nem irmã é. Santo Deus! Não há nenhuma esperança nesse Amor à Vida? E por que não deram um título mais apropriado, como “Foda-se a Vida”?

Certa vez, durante a minha longa passagem pela TV Globo, quando era diretor-geral do Fantástico, ouvi do Boni uma frase que nunca mais saiu da minha cabeça: “O mundo é cão, mas o cachorro é um poodle”. Boni insistia: apesar dos dramas e tragédias, a audiência anseia por algum tipo de esperança, certa beleza, um tom poético. Para retratar desgraças, não precisa gastar tanto dinheiro com a produção. Basta sair às ruas com uma câmera e focar para qualquer lado. Só que isso não basta. Se bastasse, as emissoras colocariam uma câmera fixa em algum lugar e ficariam transmitindo imagens ao vivo de qualquer coisa. Mas isso não resolve, felizmente.

Na verdade, como mero espectador, um cara comum que acompanha a novela, o que eu gostaria de ver? Uma trama bem construída. Quero dizer: um mistério, uma história complicada, cheia de temperos humanos e alguma diversão, não me importando se a lógica da televisão diz que é preciso ter núcleos paralelos na história, inclusive como forma de faturar algo comercial. Isso não me interessa _e, certamente, não compromete a audiência. Mas, cadê a trama de Amor à Vida? Se formos procurar, no emaranhado de personagens, não poderemos jamais fazer a pergunta fatídica: “Quem matou Odete Roitman?”

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