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28 de janeiro de 2004. Manhã chuvosa na cidade de Unaí, a 606 quilômetros de Belo Horizonte. O fiscal do Ministério do Trabalho Nelson José da Silva, 52 anos, despede-se da mulher Helba da Silva e sai às 6h40 para trabalhar. Três horas depois, ela descobre que ele havia sido assassinado.

“Em nosso último momento juntos, lembro-me que ele me disse: Fique com Deus. E eu disse a ele: Vai com Deus”, contou ao iG a viúva de Nelson.

Passados oito anos da chamada “Chacina de Unaí” – que tirou a vida não apenas de Nelson, mas de outros dois fiscais e um motorista –, acusados ainda não foram presos.

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Nelson, Erastótenes de Almeida Gonçalves, 42 anos, João Batista Soares Lage, 50 anos, também auditores e o motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52 anos, foram alvejados a tiros por matadores de aluguel, indicaram as investigações.

Aílton, mesmo baleado na cabeça, conseguiu dirigir por sete quilômetros para pedir ajuda. No caminho, forneceu informações que ajudaram nas investigações da Polícia Federal, em parceria com a Polícia Civil.

Pouco tempo depois do crime, os executores da chacina foram descobertos. Presos, os matadores de aluguel delataram quem seriam os mandantes dos assassinatos: empresários insatisfeitos com a fiscalização trabalhista. A expectativa é a de que de nove envolvidos, cinco sejam julgados neste ano. O processo está em Brasília e deve ser remetido em breve para julgamento em Minas Gerais.

Entre os acusados de encomendar do crime, está o atual prefeito de Unaí, Antério Mânica (PSDB), em seu segundo mandato. Seu irmão, Norberto Mânica, também é um dos acusados de ter encomendado os quatro assassinatos por R$ 45 mil.

O advogado do prefeito, o criminalista Marcelo Leonardo, nega que seu cliente tenha envolvimento nas execuções. “Ele só foi citado depois que se candidatou a prefeito. Não existem provas contra ele. Há anos ele pede para ser julgado, mas o tribunal não coloca o processo em pauta.

Estrategicamente, o Ministério Público Federal quer que os outros réus sejam julgados antes”, comenta o criminalista, explicando que, por ser prefeito, o processo de julgamento é no Tribunal Regional Federal da 1ª região, diferenciado de um cidadão comum. O advogado de Norberto não foi encontrado para comentar o caso.

 

Foto: AE\2004

Bombeiros mergulham no Lago Queba, na zona rural de Unaí (MG), a procura de aparelho celular do motorista e dos dois fiscais do Ministério do Trabalho assassinados

 

A família Mânica é responsável por produção de feijão e foi diversas vezes multada por permitir condições degradantes de trabalho. Por causa destas multas, Nelson vinha sendo ameaçado, acusa a viúva.
Certa vez, lembra ela, Norberto Mânica teria dito que um dos equipamentos utilizados na produção de feijão poderia também ser utilizado para “matar fiscal preto”. Por causa das ameaças, Helba disse não ter ficado surpresa com a denúncia do Ministério Público Federal, envolvendo a família Mânica.

Questionada sobre o que espera do julgamento, a viúva desabafa: “120 anos para cada um está bom”. Confira a íntegra da entrevista do iG com a viúva.


iG – Como foi seu último contato com Nelson?

Helba da Silva – Ele saiu para trabalhar mais ou menos umas vinte para as sete da manhã. Eu acordava cedo, já fazia café. Aí ele saí e se despediu. Eu estava esperando ele saudável, alegre. Ele se despediu normalmente. Foi engraçado porque ele me mandou ficar com Deus. E eu falei pra ele vai com Deus. Foi a última coisa que eu falei com ele e ele falou comigo, antes de entrar na camionete com os colegas. Antes ele tinha me falado que voltava para almoçar. E eu estava preparando o almoço quando soube, quando veio a notícia. Foi a minha irmã que me ligou e disse que tinham matado quatro fiscais do Incra, que acharam quatro mortos na camionete branca. Aí eu já sabia. Eu falei com ela: não, não é do Incra, é do Ministério do Trabalho e é o Nelson. Eu pensei, o Nelson morreu. Então comecei a ligar no celular dele e não atendia.

iG – Ele temia pela própria vida?
Helba- Ele já estava sendo ameaçado, inclusive fez um relatório para o Ministério do Trabalho, de próprio punho, falando sobre as ameaças. O Norberto Mânica, em uma fiscalização, chegou para ele com um chucho (instrumento utilizado para furar sacas de feijão) e disse: isso aqui também é bom para matar fiscal preto. Isso com o chucho na mão, que é usado para tirão feijão do saco, para colher amostra, sabe. Ele já tinha multado o Mânica por causa das más condições de trabalho.

iG – A dor da perda fica maior com a impunidade?
Helba – Com certeza. Todos os dias estou buscando informações para saber como está o processo, se teve algum andamento. Aquilo ali vai te lembrando, não tem como. Não que a gente esqueça. Mas, no dia a dia, do trabalho, eu poderia ter mais paz se o julgamento já tivesse acontecido.

iG – A senhora ficou surpresa com o caminho das investigações ou já esperava que o assassinato tivesse relação com o trabalho dele, por causa de ameaças?
Helba – Eu não fiquei surpresa. Eu já esperava. Todos já sabiam. O povo de Unaí já sabia, a polícia sabia, todo mundo sabia. Só não tinham as provas e não sabiam detalhes dos executores. Mas sobre os mandantes, todo mundo já sabia.

iG – Um dos acusados de ser o mandante da chacina é hoje prefeito de Unaí, Antério Mânica (PSDB). A senhora nunca pensou em deixar a cidade?
Helba – Não penso em sair, mas fico lá como uma presidiária. Fico muito dentro da minha casa ou dentro do escritório porque, a cada momento que saio na rua, encontro com um deles (envolvidos na morte de seu marido que estão soltos), porque a cidade é pequena.

iG – A senhora defende que mandantes e executores sejam julgados em um mesmo processo? Por quê? Qual sua expectativa para o julgamento?
Helba – O processo está desmembrado. Alguns já estão prontos para ter julgamento, só falta o processo vir para Minas. Eu acho que devia ser julgado todo mundo junto, afinal foram juntos que eles praticaram este crime. 120 anos para cada um está bom.

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