Tribuna da Bahia
Em dezembro de 2007, o bispo dom Luiz Flávio Cappio, 65, de Barra, interior baiano, fez greve de fome contra o projeto da transposição das águas do rio São Francisco. Dois anos antes, o religioso passou onze dias sem comer pelo mesmo motivo. Ele condicionava o fim da greve de fome à paralisação da obra e arquivamento do projeto que transfigura o Velho Chico e defendia a revitalização do rio e o convívio do sertanejo com a seca.
 O governo afirmou que não iria paralisar a obra, avaliada em R$ 6 bilhões. Alegou que a transposição beneficiará 12 milhões de pessoas. Agora, mais uma voz se faz ouvir pelo mesmo motivo: a do engenheiro civil Manoel Bonfim Ribeiro, ex diretor do Departamento Nacional de Obras Contra Seca (DNOCS), que na terça-feira, pela manhã, fez uma palestra na Associação Bahiana de Imprensa (ABI), a convite do presidente da casa Walter Pinheiro, apontando erros e acertos da maior obra do  Programa Aceleração do Crescimento (PAC).
“O projeto da transposição do rio São Francisco, para o semi-árido
brasileiro, está devagar quase parando”, disse na oportunidade. “Isto se deve,
naturalmente, a falta de entusiasmo da sociedade. As obras foram licitadas,
começaram realmente os trabalhos, mas ocorre que o pessoal da região não luta
com garra pela transposição por que ela é desnecessária. Não só para o meu
conceito, mas para o conceito da própria sociedade.
Nós temos uma rede de açudes fantástica na região. São mais de 70 mil
açudes, muitos primorosos, todos oficiosos. O que é preciso é dar funcionalidade
a estes açudes”, declarou, acrescentando: “As obras da Copa vão acontecer porque
a sociedade está acompanhando e o evento é empolgante. A obra do São Francisco é
no interior, longe dos olhos de todos. Ninguém toma conhecimento do que está se
passando”.
O canal do rio São Francisco tem 720kms de extensão, a partir de Cabrobó,
interior de Pernambuco. Ao longo do trecho há rachaduras, placas soltas, mato
expandindo-se, vacas pastando em torno da obra, tudo exposto inclusive na
internet. Nada, porém, comparável ao acidente que fechou o túnel Cuncas, na
divisa do estado da Paraíba com o Ceará, de 15 kms, em fase de construção e o
maior do mundo para a travessia de água.
“Mas já estão abrindo. Um acidente que ocorre em qualquer obra desta
natureza. Acontece que a parte física da obra deveria estar mais avançada. O
problema é a importância sócio-econômica da obra. Nós estamos construindo essa
obra pra que? Ao que ela vai servir?”, questiona o engenheiro piauiense Manoel
Bonfim.
“Nós temos água com fartura no Nordeste. São 40 bilhões de metros cúbicos
de água armazenados. Nós não precisamos das águas do São Francisco pra
coizíssima nenhuma”, afirma o engenheiro que considera a obra em questão,
desprovida de significado. “Ela não vai mitigar a sede do nordestino. Aliás, se
fosse pela obra o nordestino já teria morrido de sede”, disse à Tribuna.
Ainda faltam construir 27 aquedutos na obra que, conforme o engenheiro
Manoel Bonfim, só avançou em torno de 15% em três anos. “Não se pode fazer uma
obra desta de uma noite pro dia.
Pela sua magnitude ela vai demorar muitos anos para ser construída. Não se
faz em menos de dez anos”, prevê. Quanto ao olhar do nativo diante da
transposição do rio São Francisco, o engenheiro diz perceber que este “se sente
incomodado. Ele tem água. Claro que mais água, melhor, isto em qualquer lugar do
mundo. Mas isto não quer dizer que o nordestino esteja premente de água, senão
não irá sobreviver. Não existe isto. Ele tem a vida dele equacionada, com o seu
açude”.

Sistema de adutores

Se tivesse a oportunidade de conversar com a presidente Dilma Rousseff, o
engenheiro Manuel Bonfim diz que pediria a ela que parasse imediatamente com a
obra da transposição. “Em qualquer estágio que a obra parar é lucro. É uma obra
que não vai funcionar. O que falta é um sistema de adutores interligando os
açudes e levando água às diversas comunidades. Foram construídos e estão lá
apenas recebendo a luz do sol e sendo evaporados”, concluiu.
A transposição do rio São Francisco prevê o desvio de até 26 mil litros de
água por segundo, do rio para canais e leitos secos nos Estados de Pernambuco,
Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. A obra, com 16 frentes de trabalho, 14 com
grupos privados e 2 com o Exército, aliás, as únicas que seguem
trabalhando.
Com o risco de se transformar numa “transamazônica”, a estrada que não
chegou ao fim, o projeto do governo federal desperta a posição contrária da
oposição.
Recentemente o presidente estadual do Democratas, José Carlos Aleluia,
evitou falar sobre os recursos anunciados pela presidente Dilma Rousseff para a
segunda etapa do metrô de Salvador, mas fez  o seguinte comentário: “Espero que
o metrô não tenha o mesmo destino da transposição do rio São Francisco que no
futuro será vista como uma obra incompreensível e misteriosa”.
De acordo com um levantamento do Ministério da Integração Nacional, dos
lotes executados pela iniciativa privada através de consórcios de empreiteiras,
oito estão em ritmo adequado ou lento, enquanto cinco lotes encontram-se
paralisados. O titular da pasta, ministro Fernando Bezerra Coelho, ao fazer um
balanço recente das obras da Transposição do rio São Francisco, denominado pelo
governo federal de Projeto de Integração de Bacias do Rio São Francisco,
comentou:
“Depois das hidroelétricas, a obra da Transposição é a maior do PAC. Uma
obra complexa, com muitas frentes de serviço. Cada contrato exige um processo de
negociação difícil. Este ano nos dedicamos à revisão dos preços dos contratos,
que foram feitos entre 2006 e 2007”, revelou. Conforme o ministro da Integração
Nacional, as metas acordadas com a presidente Dilma Rousseff em agosto deste ano
estão mantidas, com lançamento do protótipo da transposição no último trimestre
do próximo ano; entrega do Eixo Leste até o fim de 2014 e finalização do Eixo
até o fim de 2015.
Compartilhe