estadão.com.br

SÃO PAULO – Pela primeira vez na história, um pesquisador brasileiro, parte do grupo científico de uma universidade norte-americana, conseguiu realizar a comunicação bidirecional entre o cérebro de um primata e um corpo virtual. Na pesquisa – realizada por Miguel Nicolelis e apresentada nesta quarta-feira, 5, na revista Nature – os cientistas demonstraram ser possível a construção de um avatar mecânico movido apenas com a atividade cerebral do primata e que também permite ao primata identificar a textura de objetos.

Segundo Nicolelis, essa pesquisa permitirá, no futuro, que pacientes tetraplégicos não apenas recuperem o movimento de seus braços e pernas, como também sintam as texturas dos terrenos por onde estiverem andando, facilitando o uso de exoesqueletos. O pesquisador realizou o trabalho pela Universidade de Duke, nos Estados Unidos, onde é co-diretor do Centro de Neuroengenharia.

 

Sem mover nenhuma parte de seus corpos reais, os macacos usaram a atividade
elétrica cerebral para direcionar as mãos virtuais de um avatar para a
superfície de objetos virtuais e, após o contato, puderam diferenciar suas
texturas.

Embora os objetos virtuais empregados no estudo fossem visualmente idênticos,
eles foram desenvolvidos para ter texturas artificiais diferentes que pudessem
ser detectadas apenas caso os animais os explorassem com as mãos virtuais. A
textura se traduzia em um padrão de sinais elétricos transmitidos para o cérebro
dos macacos. Três padrões diferentes correspondiam a três texturas diferentes,
assim os pesquisadores sabiam quando os animais diferenciavam as texturas.

“Interfaces cérebro-máquina gravam e usam a atividade neuronal do cérebro
para estabelecer uma comunicação direta com elementos externos, como braços
biônicos”, explica Nicolelis em entrevista exclusiva ao Link.
“Esperamos que esse mecanismo possa ser usado para reestabelecer as funções
sensoriais e motoras dos membros, mas por enquanto ainda não havia sensação
tátil nessa tecnologia. Aqui nós demonstraremos uma experiência com uma
interface cérebro-máquina que pode reestabelecer o sentido de tato nos seres
humanos através de uma microestimulação  do córtex somatosensorial primário”,
diz.

Uma atividade elétrica combinada de 50 a 200 neurônios no córtex motor dos
macacos controlou o movimento da mão mecânica, enquanto milhares de neurônios no
córtex tátil recebiam simultaneamente informações elétricas do avatar, o que
permitia que o macaco distinguisse os objetos, baseando-se em suas texturas.

Os macacos tiveram sucesso no experimento com no mínimo quatro e no máximo
nove tentativas antes de conseguir selecionar o objeto correto. Diversos testes
demonstraram que os primatas estavam realmente sentindo os objetos e não fazendo
uma seleção aleatória. “Eles conseguiram identificar os padrões muito
rapidamente, por isso acreditamos que seres humanos devem ter uma resposta ainda
mais rápida. O cérebro gera um modelo que incorpora todas as ferramentas que ele
usa e molda o corpo que é reconhecido como sendo próprio. Temos a confirmação
disso com esse estudo, pois o animal passa a usar o corpo virtual realmente como
se fosse o deles”, conta o cientista.

Como nenhuma parte do corpo real do animal estava envolvida na interface
cerebro-máquina-cérebro (ICMC), o experimento sugere que pacientes com
paralisias severas poderão se beneficiar dessa tecnologia no futuro para
recuperar o movimento e o tato através do desenvolvimento dos chamados
exoesqueletos.

“A ideia é criar uma espécie de sexto sentido que vai possibilitar que um
paciente quadriplégico recupere a sensação táctil ao usar uma veste robótica,
podendo identificar o tipo de terreno que está pisando ou a textura de um objeto
que segura com uma mão biônica”. explica Nicolelis. O texto foi assinado por
sete autores, quatro do Centro de Neurociência de Duke (Nicolelis, Joseph E.
O’Doherty, Mikhail A. Lebedev, Peter J. Ifft e Katie Z. Zhuang) e dois da Escola
Politécnica de Lausanne (Shokur Solaiman e Hannes Bleuler), todos eles ligados
um consorcio internacional chamando Projeto Walk Again, que pretende criar uma
veste robotica que interprete sinais elétricos vindos do cérebro e devolva o
movimento para pacientes quadriplégicos.

“A veste terá sensores de pressão que criarão um padrão, e esse padrão será
traduzido em um estímulo elétrico proporcional a textura dos terrenos ou
objetos. Ao mesmo tempo que os sinais elétricos do cérebro podem ser usados para
controlar o avatar do corpo, o órgão pode receber um feedback do que esse avatar
encontra no espaço virtual. Partindo da mesma lógica, outras pesquisas, por
exemplo, podem criar uma tecnologia que possibilite a identificação da
temperatura, tornando as próteses biônicas mais sensíveis”, diz o pesquisador,
que afirma que novas etapas da pesquisa devem ser conduzidas no Instituto
Internacional de Neurociências de Natal (RN) nos próximos anos e gradualmente
apresentadas ao mundo em ambiciosas demonstrações que envolveriam a Copa do
Mundo de 2014 (cujo pontapé inicial pode ser dado por um quadriplégico que
recuperou os movimentos) e as Olimpíadas de 2016.

(Com Rafael Cabral, de O Estado de S. Paulo)

Compartilhe