Ocupada nesta semana pelas polícias Civil e Militar da Bahia, a favela do Calabar, em Salvador, vê com uma mistura de alívio, desconfiança e expectativa os preparativos para a implantação da primeira base comunitária de segurança, aposta da gestão Jaques Wagner (PT) para reverter o aumento da violência na cidade e no Estado.

A favela de 20 mil moradores, cheia de morros e ladeiras e cercada por bairros nobres como Barra e Ondina, é dominada por grupos rivais de traficantes de drogas. A disputa afeta o cotidiano dos moradores, impedidos de cruzar os limites territoriais das quadrilhas. Por sua dimensão reduzida, foi escolhida como “laboratório” para o projeto da chamada “UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) baiana”, prevista para o final de abril.

Moradores da favela do Calabar, de Salvador

Foto: Thiago Guimarães/iG
“Só estão fazendo isso porque o prefeito vem”, gritava do alto de uma casa, na manhã desta quinta-feira (31), uma moradora da favela, em referência ao mutirão de serviços públicos que visitava a área. Em uma região em que o Estado era praticamente ausente, o vai-e-vem de policiais, repórteres e autoridades provocava reações desconfiadas da comunidade.

“Já poderia ter acontecido isso [presença estatal] há muito mais tempo”, dizia a moradora Maria José de Oliveira, 72 anos, que afirmou ter tido um filho morto por traficantes há cinco anos. “Até semana passada, os traficantes andavam de metralhadoras por aqui a qualquer hora”, diz ela. 

Segundo um líder comunitário que não quis se identificar, os principais traficantes da favela deixaram o local durante a madrugada de terça-feira (29), horas antes da chegada de mais de 300 policiais. “Os mais perigosos debandaram de madrugada, com mochila nas costas” disse. A ocupação havia sido anunciada na semana anterior pelo governo.

Nossos fiscais eram botados para correr. Por muitas vezes o carro do lixo queria entrar e traficantes não deixavam”, diz prefeito de Salvador

No posto de saúde local, uma funcionária contava ter atendido um morador de outra região da favela, que antes era impedido de ir até a unidade. “O pessoal de lá ficava sem atendimento.” Segundo essa agente do PSF (Programa de Saúde da Família), traficantes avisavam quando o confronto com rivais era iminente e todos saíam mais cedo.

“O direito de ir e vir foi furtado da comunidade”, disse o líder comunitário. Segundo ele, traficantes chegavam a tomar cartões do Bolsa Família de moradores da favela. Por causa da falta de segurança, um curso pré-vestibular com 50 vagas montado na favela recebeu apenas cinco alunos em 2010.

Em visita à favela nesta quinta (31), o prefeito João Henrique (PP) atribuiu a ausência estatal na região à ação do tráfico. “Nossos fiscais eram botados para correr. Por muitas vezes o carro do lixo queria entrar e traficantes não deixavam. O lixo no meio da rua impedia a entrada da Polícia Militar. Se pessoas feridas fossem de grupos rivais, o Samu não podia entrar”, afirmou.

De acordo com o prefeito, a crise financeira da prefeitura, que fechou 2010 com buraco de R$ 276 milhões e já cortou até jornada do funcionalismo para economizar, não impedirá a prestação de serviços permanente na favela.

Onda de insegurança

A Bahia enfrenta aumento expressivo nos índices de violência nos últimos anos: de 2005 a 2009, por exemplo, houve alta de 142% nos assaltos a banco e de 85% nos roubos de veículos. A taxa de homicídios subiu 42% de 2004 a 2009 e o índice de mortes por armas de fogo avançou 347% entre 2000 e 2008. Diante do desgaste causado pelos índices, o governo do PT na Bahia trocou a cúpula da segurança pública em 2011 e reforçou a divulgação de ações no setor.

O financiamento da construção das bases, projeto que Wagner batizou de “Pacto pela Vida”, já estava previsto no programa de governo da presidenta Dilma Rousseff (PT), que estimou R$ 1,6 bilhão para erguer 2.883 desses equipamentos no País. O corte anunciado pelo governo federal no Orçamento de 2011 pode, contudo, afetar o ritmo dos desembolsos. No Ministério da Justiça, que previa orçamento de R$ 4,76 bilhões para 2011, o corte foi de R$ 1,52 bilhão.

Facções rivais

A dinâmica do tráfico no Calabar tem a influência de criminosos presos e opõe as facções locais CP (Comando da Paz) e Comando Vermelho (CV). O CP, segundo a polícia baiana, mantém operações de compra de drogas e armas da facção paulista PCC (Primeiro Comando da Capital). O grupo da facção que comanda o tráfico na região do Calabar conhecida como “Bomba”, é ligado ao traficante Cláudio Campanha, detido no presídio federal de Campo Grande (MS).

Já a região baixa da favela, conhecida como “Camarão”, é de influência do traficante Genilson Lino da Silva, o Perna, preso no presídio federal de Catanduvas (PR). Em 2008, uma operação descobriu que Perna mantinha regalias e R$ 280 mil em sua cela na penitenciária Lemos Brito, em Salvador. Perna é integrante do CV, facção baiana que, segundo a polícia, não tem relação com a homônima carioca.

Segundo o delegado João Cavadas, titular da 14ª Delegacia (Barra), que atua em parte do Calabar, o principal mercado consumidor para os traficantes do local são moradores dos bairros nobres que circundam a favela. Portal IG

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