Thiago Pereira / Tribuna

Ao mesmo tempo em que provou a capacidade de Salvador em organizar eventos de grande porte, o Carnaval deste ano deixou em evidência os principais problemas que a cidade possui para a Copa do Mundo de 2014.

Sistema de transporte público deficitário, trânsito caótico, falta de mão de obra qualificada na rede hoteleira, infraestrutura básica ainda inexistente, violência, poucas áreas para estacionamento e até mesmo insuficiência no número de banheiros químicos mostraram-se verdadeiros tormentos durante a festa momesca, o que, sem uma resolução imediata, pode prejudicar a organização do mundial e encerrar de uma vez por todas o sonho da capital baiana em sediar a abertura da maior competição de futebol do planeta.

De acordo com o coordenador do Observatório da Copa Salvador 2014, Marco Aurélio de Filgueiras, os problemas que cercam a cidade são divididos em várias áreas de atuação e o tempo já não permite que eles sejam resolvidos separadamente. “Se o mundial fosse realizado em curto espaço de tempo, Salvador estaria fora. O estádio não existe mais. A mobilidade urbana é um problema muito sério. O porto e o aeroporto não têm capacidade para receber o número de turistas que chegam a uma cidade-sede. O tempo é curto e os obstáculos que precisam ser solucionados nesses três anos que restam para a Copa de 2014 são muitos”, disse Filgueiras.

Outro problema para Salvador será o de equacionar a acessibilidade da população ao mundial. A cidade sofre com grave desigualdade social e o preço dos ingressos para os jogos da Copa do Mundo não costumam ser baratos. No mundial da África do Sul, no ano passado, as entradas custaram, em média, R$240. Os bilhetes mais baratos eram comercializados a R$36.

Já os mais caros chegavam a R$1500, preço inacessível para a maioria da população soteropolitana. “No carnaval houve uma privatização da festa. Os espaços, as atrações, tudo. E a Copa não pode ser desse jeito. Temos que pensar no mundial como uma festa popular. Acessível a toda a população da cidade”, completou o coordenador do Observatório.

Hotéis – A carência de mão de obra qualificada é o principal problema da rede hoteleira de Salvador para a Copa do Mundo de 2014. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da capital baiana, José Ramos, a maioria dos estabelecimentos de hospedagem da cidade não possui condições ou profissionais devidamente capacitados para atuar em excelência durante o mundial.

 “Não estamos preparados. A falta de valorização da categoria fez com que os profissionais com experiência migrassem para outras áreas. Atualmente existe um déficit de 50% nos hotéis de Salvador, o que sobrecarrega a todos. Precisamos qualificar pessoas com urgência ou não teremos profissionais para a Copa. Nem mesmo nas recepções de hotéis temos trabalhadores com segunda língua. Isso é uma vergonha”, afirmou Ramos.

Qualificação é um dos desafios

A construção de 19 hotéis em Salvador e no Litoral Norte para a Copa, aumentando para 60 mil o número de leitos na região, cria uma demanda ainda maior por mão de obra especializada para atuar no mundial. Por essa razão, empresários da hotelaria decidiram, em conjunto com o poder público, investir na qualificação de profissionais.

No final do mês de fevereiro, foi lançado em Salvador o Projeto Profissional Bom de Copa, que faz parte do Programa Bem Receber Copa, do Ministério do Turismo. De acordo com o presidente do Conselho Baiano de Turismo (CBTur), Silvio Pessoa, 600 profissionais serão contemplados apenas na capital baiana. Serão 300 garçons e garçonetes, 100 gerentes de bares e restaurantes, 100 barmen e 100 atendentes. “Temos um déficit gigantesco e precisamos cobri-lo para o mundial, ou teremos que importar mão de obra de outros estados”, confessou.

Outro grave problema para a realização da Copa e recebimento de turistas na cidade é o sucateamento de alguns hotéis. Conforme o presidente da CBTur, já existe uma linha de crédito junto ao Banco do Nordeste para viabilizar a modernização da rede hoteleira baiana. O dinheiro deverá ser utilizado na reforma dos estabelecimentos mais antigos. 

Táxis – Uma das queixas que mais se ouviu durante o carnaval deste ano foi com relação ao comportamento de alguns taxistas, que se negaram a transportar passageiros com destino próximo aos circuitos da festa. Com poucas opções de transporte na cidade, muitos optaram por voltar para casa em veículos clandestinos. “Vale ressaltar que essa prática foi adotada por uma minoria que sequer ficava nos pontos, resultado da falta de fiscalização.

Coisas como essa não podem se repetir em uma Copa, disse Valdeilson Miguel, presidente da Associação Metropolitana de Táxis (AMT). Para evitar  problemas como este, a AMT realizará no mês de agosto um seminário para conscientizar os cerca de sete mil taxistas que atuam na cidade. “Vamos nos reunir com a Polícia Militar, Ministério Público, Bahiatursa e Transalvador para desenvolver um projeto de educação para os nossos profissionais. Queremos que eles aprendam inglês e regras de bom atendimento”, completou Valdeilson Miguel.

Segurança – A segurança é considerada um item fundamental para o sucesso do mundial de 2014. Para evitar surpresas desagradáveis, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) já deu início a uma série de projetos de qualificação de policiais e combate a criminalidade na Bahia.

De acordo com Ari Pereira, subsecretário da SSP, alguns planos de ação já são executados em jogos do Campeonato Baiano e do Brasileiro, precisando apenas de alguns ajustes para entrar em operação durante as partidas da Copa do Mundo.

Haverá combate intensivo na ação de cambistas, policiamento ostensivo nas ruas da cidade e expansivo dentro do estádio, além do reforço de meios eletrônicos, como o vídeomonitoramento, para impedir práticas criminosas nos arredores da Fonte Nova. “Os policiais também estão sendo treinados em línguas estrangeiras para poder se comunicar com os turistas, a exemplo do que já ocorre no carnaval”, afirmou Ari Pereira. No entanto, nem tudo são flores. Durante o carnaval, é comum ouvir relatos de foliões agredidos por policiais.

 “Em eventos de grande concentração popular eles passam descendo o cassetete em quem está na frente. Às vezes você só vê quando recebe a porrada. São criminosos dentro de uma farda”, disse durante a folia momesca deste ano o mecânico Carlos da Silva. Em contrapartida, Ari Pereira descartou a hipótese de cenas como essa se repetirem na Copa do Mundo. Segundo o subsecretário, a SSP não orienta o policial a agir dessa forma. “Isso é desvio de conduta. Alguns policiais atuam dessa forma e deve ser punidos por isso”, afirmou.

Infraestrutura é uma das preocupações

 A mobilidade urbana de Salvador é apontada por muitos como um dos pontos críticos na preparação da cidade para a Copa. No último carnaval, as vias de acesso e saída dos circuitos Dodô (Barra/Ondina) e Osmar (Campo Grande) ficaram intransitáveis. O sistema de transporte coletivo também foi alvo de reclamações por parte da população. Para a Copa, outros problemas de igual urgência se acumulam, como adequações necessárias ao porto e ao aeroporto, que atualmente operam no limite; e a falta de estacionamentos na cidade.

Conforme o gestor do Escritório Municipal da Copa, Leonel Leal, o poder público já trabalha em várias linhas de ação para solucionar os principais problemas de mobilidade da capital baiana. O Porto de Salvador será completamente revitalizado e deve ser inaugurado no dia 13 de maio de 2013, antes da Copa das Confederações. As obras facilitarão o aumento na capacidade de recepção de turistas e possibilitarão maior oferta de leitos durante os jogos, já que alguns navios servirão de hospedagem.

No aeroporto, as obras só devem ser iniciadas  em fevereiro de 2012, com duração prevista de um ano. As intervenções preveem a construção de uma nova Torre de Controle, readequações e revitalizações dos sanitários; ampliação dos canais de inspeção; melhoria do conforto ambiental; revitalização dos sistemas eletromecânicos para garantir maior agilidade na operacionalidade do aeroporto, incluindo melhorias no sistema de som e equipamentos instalados no terminal de passageiros.

Para atender ao fluxo de pessoas com destino a arena da Fonte Nova durante a Copa, o Governo da Bahia prevê um plano de investimentos da ordem de R$ 1,3 bilhão. A linha 1 do metrô, já existente, deve ser ampliada para atingir a capacidade de 250 mil passageiros/dia, com intervalos de três minutos entre os trens.

Também está prevista a reestruturação da rede atual de percursos do Sistema de Transporte Público de Salvador e a realocação de estacionamentos públicos e privados. O trem suburbano deverá ser prolongado até Campo Grande, dando acesso também ao Terminal Turístico Portuário de Salvador. Haverá ainda a execução de passarelas e viadutos.

“A cidade tem dado ótimas demonstrações de capacidade para organização de eventos de grande porte, como é o caso da Copa do Mundo. Estamos trabalhando para assegurar o sucesso do mundial e nos três anos que restam as coisas devem sair do papel”, pontuou Leal. 

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