Fernanda Bassette – O Estado de S.Paulo

O aposentado Hamilton Bispo da Conceição, de 56 anos, foi o primeiro brasileiro a ser submetido a um transplante de artéria de doador falecido para evitar a amputação de sua perna direita – comprometida pela aterosclerose.

 A cirurgia, inédita no Brasil, foi realizada no Hospital São Paulo no final do mês de janeiro. “Depois de dez dias, o paciente saiu do hospital totalmente recuperado, sem dor e andando”, afirmou José Carlos Baptista Silva, responsável pelo transplante.

Antes do transplante, Conceição já não podia mais andar. Por causa da doença, passou os últimos meses tomando analgésicos potentes e dormindo sentado, com a perna levemente inclinada, para tentar aliviar a dor. “Queimava por dentro”, diz.

A doença atingiu sua perna direita, obstruiu quase completamente a principal artéria (femoral) e, por consequência, provocou a má circulação. A saída para o problema seria amputar a perna do joelho para baixo.

Histórico. Conceição é ex-fumante e possui insuficiência renal crônica. Durante anos se submeteu à sessões de hemodiálise. Em estado terminal, passou por um transplante de rim há dois anos. A função renal foi restabelecida, mas a doença passou a dar sinais em outros locais.

Os sintomas da aterosclerose começaram com dificuldade para caminhar e dor na perna. A piora foi progressiva e, em seis meses, Conceição já não caminhava nem dormia por causa da dor. O quadro era ruim: a obstrução era tão grande, que só uma cirurgia de revascularização melhoraria a circulação. Caso contrário, a amputação seria a única solução.

O problema é que as condições clínicas de Conceição não o ajudavam: ele não tinha mais a veia safena – normalmente usada em cirurgias de revascularização do coração – porque ele a retirou na época da hemodiálise. Também não podia se submeter a uma cirurgia com prótese plástica. “Como ele já era transplantado e toma medicamentos imunossupressores (que diminuem a imunidade), o risco de ele ter uma infecção e piorar o quadro era muito grande”, diz o médico.

Outra alternativa seria dilatar a obstrução com um cateter, mas isso também não foi possível porque o local estava muito calcificado. “Tentamos todas as possibilidades de tratamento que existem, mas não deu certo. A solução drástica seria amputar a perna do paciente. Por isso, pensamos que o transplante seria uma boa alternativa”, diz.

A equipe entrou em contato com a Central de Transplantes do Estado, que localizou o doador – um menino de 17 anos. Conceição comemorou o encontro do doador e não temeu os riscos da cirurgia. “Meu medo era perder a perna e ficar preso a uma cadeira de rodas para sempre.”

Indicação restrita. Segundo Silva, esse tipo de transplante é feito em outros países, mas com indicação restrita. Ele diz que a cirurgia não depende apenas de técnica, mas da fase da doença.

“Não é todo mundo que tem aterosclerose nas pernas que vai se beneficiar. Não é o fim da amputação”, pondera. “Mas, com esse transplante, conseguimos abrir uma porta importante para que outros doentes, na mesma situação, sejam beneficiados.”

Ben-Hur Ferraz Neto, presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), diz que o transplante de vasos é raro porque, em geral, a artéria do paciente está doente por inteiro, o que inviabiliza a cirurgia. “A situação tem de ser muito favorável para dar certo”, diz.

No caso de Conceição, tanto deu certo que ele saiu do hospital dez dias depois do transplante, sem dor e andando. Voltou a dormir deitado em companhia da mulher, a noite toda. “Coisa rara de acontecer. Foi um alívio”, diz o aposentado.

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