Tribuna/Odília Martins

 O volume por si só revela as limitações de um sistema que é responsável pela sensação de impunidade e o avanço da violência no Estado. Atualmente existem na Justiça baiana 500 mil processos criminais em andamento e quase dez mil assassinatos em apuração na Polícia. Há menos de dois anos, Salvador só tinha duas varas do júri. Funcionou toda a vida assim, motivo de hoje haver uma avalanche de papéis para julgar quem tirou a vidas de outras pessoas.

 Os obstáculos que podem fazer emperrar durante anos o julgamento dos homicídios baianos envolvem todo o aparelhamento da Polícia e da Justiça. Ambos não têm estrutura para comportar a demanda, segundo o juiz da 1ª Vara do Júri da presidência, Moacyr Pitta Lima Filho. “Efetivamente temos vários entraves. Reconheço que existe um grande volume de processos que não foram julgados e que a quantidade de varas do júri em Salvador, que são quatro, por exemplo, é muito pouco. Até outro dia eram só duas e foi assim por mais de 20, 30 anos, se não mais”.

 

Mas, até chegar à Justiça,  um crime passa por um caminho na maioria das vezes longo, que é o inquérito policial antes de virar processo. Embora essa etapa possa levar tempo, nem sempre quando se conclui o caminho o desfecho ocorre com consistência, de acordo com Pitta. “Existe uma carência muito grande da polícia na investigação que nem sempre identifica os suspeitos ou que em outras circunstâncias apresentam provas frágeis, insuficientes, fazendo às vezes que o processo seja arquivado. Uma pequena parcela de inquéritos policiais é elucidada. Há uma deficiência da polícia e da Justiça”.

Por outro lado, o juiz pondera a situação do judiciário baiano. “Contudo, podemos dizer que houve um avanço na Justiça se avaliarmos que o número de varas do júri em Salvador, dobrou de duas para quatro. Ao mesmo tempo ainda não é o suficiente. Sem contar que na verdade, são previstas seis varas do júri pela Lei Orçamentária Judiciária (LOJ)”.

O total de processos criminais (500 mil) foi informado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) através da assessoria de imprensa do órgão e o aproximado de quase dez mil inquéritos policiais com registros de homicídios em apuração foi estimado pelo delegado geral da Polícia Civil, Joselito Bispo.

Indagado pelo número divulgado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), recentemente, que anunciou existirem sete mil homicídios em investigação, sendo todos os inquéritos instaurados até dezembro de 2007, Joselito confirmou: “São compatíveis, está dentro da faixa. Se tiver uma diferença é muito pouco, algo de 400 ou 500 a mais”.

Apenas 29% dos crimes no estado são elucidados, diz delegado geral

Quanto ao número de assassinatos em apuração referente aos anos seguintes, ou seja, de 2008 até outubro deste ano, Joselito estimou o restante que deve ser somado aos sete mil homicídios instaurados até dezembro de 2007: “Eu diria que talvez tenha mais uns 2 mil a 2.500. Acho que 2.500. É bem possível que seja isso nesses três últimos anos”.

A elucidação dos homicídios caiu significativamente, conforme admitiu Bispo. “Até 2007, nós tínhamos uma média de elucidação de mais 48%, quase 49%. Esse nível de elucidação vem caindo e hoje nós temos um percentual de elucidação de 29%”.

Questionado o porquê da queda drástica, Joselito atribuiu à custódia de presos nas delegacias. “A Polícia Civil, em suas delegacias e plantões, tem ficado muito estática. O efetivo é dividido entre os que não podem sair para fazer as investigações porque tem que tomar conta dos presos que estão nas delegacias e os que podem. Consequentemente, o número de policiais empregados nas investigações policiais é reduzido e isso não é só Bahia, acontece em todo Brasil. Cerca de 90% dos estados brasileiros faz a custódia de presos em delegacias”.

A problemática em torno da guarda dos presos nas delegacias não se delimita somente a vigília no local, alerta Joselito. “O preso ficou doente, tem que levar ao médico, aí vai para o HGE (Hospital Geral do Estado).

Alega uma dor de dente, tem que levar. O juiz requisita uma audiência, tem que levar pra ser ouvido. Você pega a viatura com dois, três policiais e passa o dia inteiro no fórum. Então, são esses os gargalos que temos. É desculpa? Não, mas é a realidade que vivenciamos e interfere diretamente no número de policiais em investigação”.

Departamento de Homicídios

Para administrar a questão, uma providência apresentada pelo secretário de Segurança Pública (SSP), César Nunes, e aprovada pelo Governo do Estado a fim de combater os índices alarmantes de não elucidação de assassinatos. “Foi autorizada à implantação do Departamento de Homicídio e já estamos em fase de locação do imóvel que vai agregar num mesmo prédio dez delegacias”, afirmou Joselito.

Atualmente o Estado tem apenas uma delegacia de homicídio e com o Departamento de Homicídios haverá uma nova estrutura para investigar os  crimes na Bahia. “A cidade será divida em áreas. Cada área ficará responsável por uma delegacia de homicídio que irá apurar os crimes das respectivas regiões. Inicialmente iremos fazer Salvador e Região Metropolitana e esse mesmo projeto contempla delegacias de homicídios no interior do Estado”, explicou Bispo.

O Departamento de Homicídios que será implantado em Salvador é inspirado no modelo de Recife e que na verdade surgiu em São Paulo. O projeto não tem ao certo um prazo fixado para inaugurar e por isso Joselito evita especular uma data. “Prefiro não arriscar, basta saber que é uma prioridade do Governo do Estado. No máximo podemos dizer que existe a pretensão para entrar em funcionamento no segundo semestre de 2011”.

Já tem inclusive um esboço operacional do efetivo. “Para cada delegacia haverá um delegado titular e três administrativo. Só aí serão 40 delegados. Todos trabalhando exclusivamente com homicídios, e isso sem contar as equipe de cada um”, contou Joselito.

Mas, o delegado geral da Polícia Civil deixou bem claro que o pessoal destinado a trabalhar no Departamento de Homicídios “vai começar a operar do zero. Os inquéritos policiais de homicídios já existentes vão continuar sendo investigados pelo Grupo de Suporte de Inquérito Policiais (GSIP).

Quanto à demanda do Grupo, minha intenção é fortalecer o GSIP. Para que o Grupo dê conta do volume, isso se daria com mais pessoal, convocando ainda os concursados de 98 e mais viatura”.

O número de presos nas delegacias eram três mil em 2007, hoje nós temos cerca de seis mil em toda Bahia.

Casos pendentes – Enquanto o Departamento de Homicídios não chega, o GSIP não zera os quase dez mil inquéritos e a Justiça não der conta dos 500 mil processos criminais, amargam cada dia de espera por punição a família e os amigos daqueles que foram assassinados.  Quem não se lembra do funcionário público Neylton da Silveira, encontrado morto na Secretaria Municipal de Saúde em pleno sábado?

O caso do servidor teria envolvido quatro pessoas no crime: dois vigilantes  Josemar dos Santos e Jair Barbosa da Conceição, a ex-subsecretária municipal da época Aglaé Amaral Souza e a consultora Tânia Maria Pimentel Pedroso.

Prestes há completar quatro anos em janeiro 2011 até agora só os dois vigias é que estão presos, apesar do Ministério Público Estadual ter apontando Tânia e Aglaé como mandantes do homicídio. E o professor de geologia da UFBA, João Lamarck assassinado dentro do próprio apartamento na Piedade e tantos outros que engrossam a pilha de inquéritos em apuração?

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