A Bahia não é só destino predileto em tempos de Verão e Carnaval. Diante de sucessivos trabalhos de investigação e captura de criminosos, a Polícia Civil concluiu que não existe baixa temporada para a bandidagem.

Os barões do crime se apresentam na maioria das vezes como empresários, “lavam” o dinheiro adquirido de forma ilícita, comprando patrimônios de milhões no estado. Normalmente levam uma vida acima de qualquer suspeita em bairros nobres, onde passam despercebidos.

Essa foi a trajetória do estelionatário de Brasília Ivanilson Silva Mariano, 35 anos, preso no último dia 14, com a comparsa Íris Jamile Santana, 28, quando sacava R$ 300 de um cartão clonado na Pituba.

Usando identidade falsa em nome de Magno Luís Pereira, ele era foragido do Distrito Federal, onde escapava de três mandados de prisão. Com um patrimônio estimado pela polícia em R$ 2 milhões só com clonagem de cartões de crédito, Ivanilson estava na Bahia desde 2004.

Ele morava numa mansão no condomínio Jardim dos Pássaros, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana, avaliada em R$ 800 mil, com piscina, carros e duas motos na garagem.

Os dois filhos, de 10 e 12 anos, estudavam no Colégio Anchieta, ao custo de R$ 1.840 por mês. Já a mulher, Liliane Monteiro dos Santos, andava de Meriva, fazendo compras por Salvador.

Depois da prisão, agentes do Departamento de Crimes contra o Patrimônio (DCCP) retornaram à mansão de Ivanilson e localizaram um fundo falso no closet do quarto de Ivanilson, onde eram guardados R$ 15 mil.

Buscas
Ainda no imóvel, foi recolhida uma relação com vários CPFs de alunos de uma faculdade de direito, na qual Liliane integra a comissão de formatura. “Vamos ouvir estas pessoas para saber se não foram lesadas pelo casal. Estes dados são como ouro na mão de bandidos”, disse a diretora do DCCP, delegada Carmem Dolores Bittencourt.

Sobre a prisão do barão, o delegado Carlos Habib, da 16ª Delegacia, na Pituba, responsável pelo caso, disse que Ivanilson é o líder de quadrilha de crimes contra o patrimônio e era investigado na Bahia desde que a polícia tomou conhecimento de sua extensa ficha criminal.

Ele cumpria 11 anos de prisão, em Brasília, quando fugiu da cadeia e se instalou em Fortaleza, antes de migrar para Salvador. “Os alvos eram tanto pessoas físicas quanto jurídicas”, disse o delegado.

Vantagens
Como Ivanilson, outros profissionais do crime, como assaltantes a banco, também descobriram a Bahia. A facilidade para fuga e a falta de policiamento fazem do interior do estado alvo perfeito das quadrilhas de assaltantes a bancosformadas em outras regiões do país.

Em janeiro, a Polícia Civil montou a Operação Paulista e oito pessoas foram presas em Salvador, Feira de Santana, a 108 quilômetros da capital, Santo Amaro, no Recôncavo, e Itaetê, na Chapada Diamantina. Os envolvidos são de São Paulo e se preparavam para assaltar uma agência bancária em Andaraí, vizinha a Itaetê.

Com eles, foram apreendidas seis pistolas de calibres 9mm, ponto 40 e 380, entre outras armas, munição e a quantia de R$ 13.996. Em Sátiro Dias, a 205 quilômetros de Salvador, seis homens armados roubaram a agência do Banco do Brasil, em agosto. Segundo testemunhas, todos os ladrões tinham sotaque paulista.

O Sindicato dos Bancários registrou entre janeiro e junho, 30 assaltos no estado, quatro deles em Salvador e Região Metropolitana. O dado representa cerca de 70% do total do ano passado, com 44 ocorrências.

Agências da Caixa e BB são preferidas
Entre os municípios que já foram aterrorizados por ações cinematográficas, a pacata Boa Vista do Tupim, a 320 quilômetros de Salvador, acordou apavorada no último dia 20, quando bandidos usaram explosivos, que não só abriram o cofre, como destruíram a agência do Banco do Brasil da cidade.

Não satisfeitos, bloquearam a frente da casa dos três únicos policiais da cidade, sob ameaça de fuzilá-los caso reagissem. Segundo o diretor do Sindicato dos Bancários, Elder Perez, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal são as instituições financeiras que mais são assaltadas na Bahia, porque “são a maioria no estado e detêm os pagamento de funcionários públicos e aposentados”.

Ele citou como exemplo Candeal, onde seis homens armados com fuzis, escopetas e dinamites invadiram a agência do Banco do Brasil da cidade, a 168 quilômetros de Salvador, e também explodiram o cofre. No dia 30 de agosto, foi a vez de Condeúba, Sudoeste do estado. Já em Tapiramutá, no dia 3 deste mês, ladrões assaltaram a agência do Banco Bradesco do município, a 334 quilômetros de Salvador. Na ação, o gerente, uma funcionária e dois seguranças foram levados como reféns.

Acima de qualquer suspeita
A escolha dos barões do crime por bairros nobres tem razões que não só o dinheiro explica. Para o coronel Antônio Jorge Ferreira Melo, professor e pesquisador do Programa de Gestão e Estudo de Segurança Pública, nesses locais, os criminosos estão acima de qualquer suspeita. “Os moradores da classe média costumam se relacionar com pessoas ligadas a atividade que desenvolvem, mas não com as pessoas dos locais onde residem”.

Em bairros populares, o estilo de vida chamaria a atenção. “Neste locais existem ainda as relações de vizinhança, um risco para eles, que buscam discrição”, explicou. Uma das principais características dos barões do crime é a visão nômade. Passam um determinado tempo numa região e migram para outras a fim de não serem rastreados, quando há movimentação financeira.

Para o coronel Antônio Jorge, no Brasil não há uma fiscalização eficaz como deveria. “A mobilidade social na França é diferente. Não tem como ganhar dinheiro fácil, porque as políticas de fiscalização funcionam. No Brasil, a fiscalização só é eficaz para o assalariado”. Ainda de acordo com ele, o Estado não investe em medidas de segurança de longo prazo. “Em cima das eleições, o aumento de policiamento é evidente, para aumentar a sensação de segurança”, criticou o pesquisador.
Correio*

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