Leda Balbino, iG São Paulo 

 

Foto: (AFP/Olivier Morin) Ampliar

Presidente dos EUA, Barack Obama (01/05/10)

Mais do que uma mostra explícita de apoio a um país considerado pária por boa parte da comunidade internacional, a visita deste fim de semana do presidente Lula ao Irã é vista nos EUA como um desafio direto à principal bandeira de política externa de Barack Obama: livrar o mundo das armas nucleares.

Foi esse objetivo, declarado em maio de 2009 em um discurso em Praga, que o Comitê do Nobel usou como uma das principais justificativas para premiar o líder americano em outubro. E é ele que vem conduzindo muitas das medidas de Washington neste ano.

Em 6 de abril, Obama anunciou a primeira política nuclear dos EUA desde 2002, que prevê restringir o uso de armas nucleares pelo país. Dois dias depois, assinou um tratado de desarmamento nuclear com a Rússia. Durante a Cúpula sobre Segurança Nuclear, entre 12 e 13 de abril, conseguiu que 47 países se comprometessem a garantir a proteção de todo o material atômico até 2014, para evitar que caia nas mãos de terroristas. Agora, o alvo é o Irã.

Segundo o presidente do instituto de análise política Inter-American, Peter Hakim, não há desafio internacional mais importante para o governo americano do que impedir o Irã de desenvolver armas atômicas – e o Brasil é uma das pedras no caminho. “Os EUA estão furiosos que o Brasil defenda as atividades de enriquecimento do Irã e veementemente se oponha a sanções”, afirmou ao iG o analista especializado em América Latina. 

Os EUA realizam gestões para aprovar a quarta rodada de sanções contra o país persa desde setembro, quando se revelou que o Irã manteve sobre segredo a construção de uma usina de enriquecimento de urânio na cidade sagrada de Qom. Na sexta-feira, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, reiterou que a punição é a única maneira de forçar Teerã a suspender suas atividades.

A declaração foi feita no mesmo dia em que Lula, durante encontro em Moscou com o presidente russo, Dmitri Medvedev, disse que as chances de um acordo com o governo iraniano eram de “99,9%”. Medvedev discordou, afirmando que seriam de no máximo 30% e a última oportunidade de o país persa dialogar antes da adoção de novas sanções. O encontro entre Medvedev e Lula, disse Hillary, “ilustra a colina que os brasileiros tentam escalar”, segundo a Associated Press.

Para aprovar as sanções, serão necessários 9 dos 15 votos do Conselho de Segurança da ONU e nenhum veto de seus membros permanentes (EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha e França). E, como o Brasil ocupa desde o início do ano uma cadeira rotativa no conselho, terá de votar quando uma resolução sobre novas sanções for levada a plenário.

“As relações do Brasil e dos EUA se deteriorarão de forma muito rápida se Washington considerar que o País interfere mesmo que modestamente em seus esforços de impor novas sanções”, afirmou Hakim. “O Brasil trilha um caminho arriscado”, disse.

Durante visita ao Irã, chanceler Celso Amorim entrega carta do presidente Lula a Ahmadinejad (27/04)
Foto: © AP

Durante visita ao Irã, chanceler Celso Amorim entrega carta do presidente Lula a Ahmadinejad (27/04)

Petrobras no Irã

Um dos exemplos de como isso pode prejudicar o Brasil foi dado em novembro, quando a Petrobras se tornou alvo de forte lobby nos EUA. A empresa teve seus negócios no país persa contestados pela União Contra um Irã Nuclear (UANI, na sigla em inglês). Em seu site, a entidade lobista listou as ameaças feitas durante os últimos anos por fundos de pensão americanos de retirar seus investimentos da companhia caso ela continuasse no Irã.

A ameaça pareceu surtir efeito. Pouco antes da visita ao Brasil do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, em 23 de novembro, a Petrobras anunciou que estudava encerrar suas atividades no Irã e enviou uma carta à SEC (espécie de Câmara de Valores Mobiliários dos EUA) para esclarecer que mantinha no país apenas três funcionários e havia cumprido em julho um acordo assinado em 2004 com a Companhia Nacional Iraniana de Petróleo.

Em abril deste ano, porém, a empresa voltou atrás. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, anunciou que manteria o escritório da companhia no país apesar da atual falta de investimentos.

Para o analista de segurança nacional Douglas Farah, o Brasil tem de apoiar os esforços da comunidade internacional e manter transparência em suas relações com o Irã se quiser manter boas relações diplomáticas.

“Se o Brasil permitir que o programa nuclear do Irã se desenvolva ou colocar obstáculos na ONU para evitar inspeções no país, prejudicará suas relações com os EUA e com outros países”, disse ao iG Farah, que é membro do International Assessment and Strategy Center (Centro Internacional de Análise e Estratégia, em tradução livre), na Virgínia.

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