Na manhã desta quinta-feira, 06, o vice-prefeito de Vitória da Conquista, Ricardo Marques, esteve reunido com o técnico do Ministério de Meio Ambiente/MMA, José Roberto de Lima, que veio a cidade participar da Semana de Agronomia, realizada pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/Uesb.

O assunto em pauta foi a desertificação, fenômeno que corresponde à degradação da terra nas regiões áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, resultante de vários fatores, entre eles, as variações climáticas e as atividades humanas. No Brasil, o problema tem ocorrio, principalmente, no Nordeste. O especialista ainda falou sobre os cenários para 2050 e quais políticas públicas mais viáveis para as mudança necessárias para frear problema.  

Segundo Ricardo Marques, “a reunião com José Roberto foi importante para ampliar e fortalecer a rede sócioambiental de políticas públicas e debates que tem sido criada em Vitória da Conquista”, afirmou.

José Roberto é mestre em Engenharia de Produção e doutorando em Desenvolvimento Sustentável. Trabalha há mais de 20 anos na área de Políticas Públicas de Desenvolvimento Sustentável e está há sete no MMA. Após a reunião com o vice-prefeito, o especialista concedeu a seguinte entrevista para a Secretaria Municipal de Comunicação:

Secretaria de Comunicação – Durante esses 20 anos em que o senhor trabalha com o desenvolvimento regional sustentável, houve avanços nas políticas públicas para o meio ambiente no Brasil?

José Roberto de Lima – Os avanços foram significativos. Se nas décadas de 80 e 90 nós tínhamos um momento de diminuição do Estado, de marginalização do funcionário público e uma inflação que não nos permitia, em nenhuma hipótese, fazer um planejamento mais adequado; hoje vivemos um momento em que a política pública se fortalece, o funcionário público se fortalece também como uma classe importante para o país e, principalmente, a redução da inflação que permite fazer planejamentos cada vez mais ajustados às realidades regionais.

Secom – Como estão as políticas públicas voltadas a esta área no Nordeste, região em que o senhor se especializou, e quais os avanços?

José Roberto – Com relação ao Nordeste têm algumas questões que nos preocupam muito, apesar da organização política está mudando. Hoje se tem novos cenários e elementos muito importantes que precisam ser considerados nesta redefinição de políticas para o Nordeste. A mais grave conseqüência disso tudo é a desertificação, que tem avançado e se mostrado um problema muito sério para o futuro da região, principalmente somado aos novos cenários de mudanças climáticas. Isso precisa ser melhor divulgado e entendido pelo conjunto dos gestores. Os cenários são preocupantes. É possível que até 2050 uma faixa significativa de terras do Nordeste seja sacada do processo produtivo por conta da desertificação, em função da mudança climática e de toda alteração do ciclo biológico resultante do desmatamento. Não estamos dizendo que isso vai acontecer, estamos dizendo que ao se manter esta tendência, a realidade caminha neste sentido. É preciso que as políticas públicas vejam de forma mais clara o que está acontecendo, entendam este ciclo para que a gente possa redirecionar as políticas no sentido de criar um Nordeste mais sustentável.

Secom – Uma das vegetações mais predominantes no Nordeste é a caatinga. Quais as características desta vegetação?

José Roberto – Quando se fala em biomas todo mundo dá muito valor à Amazônia e ao cerrado e a caatinga só agora passa a ser compreendida como bioma. A caatinga é uma floresta adaptada às regiões climáticas com longos períodos de seca. Ela é única no mundo, eminentemente brasileira, e riquíssima em biodiversidade. Além disso, tem uma capacidade enorme de proporcionar uma vida digna ao sertanejo e isso nunca foi levado em consideração pelo conjunto das políticas nacionais. A caatinga sempre foi vista como um bioma sem nenhum valor, uma região-problema. Nunca se tratou o Nordeste como uma região potencial. A gente precisa mudar com urgência e a partir de dentro. A caatinga tem uma condição muito grande, se for bem explorada de forma adequada, dentro dos limites ambientais e climáticos, de alavancar o desenvolvimento do Nordeste. E alavancando o desenvolvimento do Nordeste, alavanca também o desenvolvimento do país. O que nos preocupa hoje é o desmatamento. Saiu recentemente os índices de desmatamento: já perdemos mais de 50% do bioma caatinga, principalmente em áreas nascentes e margens de rios. Se a falta de água é um problema e se você sabe que desmatando a nascente ela vai secar, você não pode desmatá-la.

Secom – Qual a maneira mais correta de conviver com esta vegetação, de mudar a visão sobre a caatinga?   

José Roberto – Nós começamos totalmente errado o processo de ocupação do território nacional. O Nordeste começou com a produção de coisas completamente inadequadas com as questões ambientais e climáticas da região e até hoje a maioria dos colonos têm a cultura de produção de milho, de arroz, de feijão, produtos que não são adaptados às regiões semiáridas. Existe uma série de outros produtos que a caatinga oferece e que não são considerados, não são explorados e que poderiam dá outra condição de vida ao sertanejo, até melhor do que essas culturas alienígenas, introduzidas de formas arbitrárias. Então se tem um processo cultural a mudar, tem-se que repensar o modelo de produção do Nordeste brasileiro para que possamos realmente evitar o desmatamento do bioma. Porque o modelo de exploração da agricultura do Brasil é colonial, por incrível que pareça; 500 anos de tantos desastres e nós ainda insistimos em manter os modelos coloniais de exploração.

Secom – Como vê o interesse do Governo Municipal de Vitória da Conquista em buscar este diálogo com especialistas ambientais?

José Roberto – É importante que os gestores tenham conhecimento sobre estas pesquisas. Não queremos trabalhá-las apenas na esfera científica, queremos que os governantes saibam desta realidade para que eles não promovam políticas que aumentam ainda mais o problema apresentado e sim que mude este cenário. Creio que a nossa geração pode deixar um Brasil muito melhor.

SECOM/PMVC

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