Eduardo Militão

Câmara e Senado acumulam 2.472 projetos nos plenários onde trabalham 594 parlamentares. À espera de votação, estavam 2.438 deles no dia 29 de março passado, segundo levantamento exclusivo do Congresso em Foco.

Na Câmara, são 2.135 matérias no total. No Senado, 337.

No ano passado, os deputados gastaram 115 sessões deliberativas para aprovarem cerca de 219 propostas. Ou seja, se o objetivo da Câmara for “zerar” o estoque de matérias em tramitação, aprovando-as ou rejeitando-as, precisarão, mantido o ritmo atual, de nada menos que dez anos.

Da mesma forma, o Senado aprovou 219 matérias no ano passado em 118 sessões deliberativas. Ou seja, os senadores precisariam de quase um ano e meio para “zerar” o estoque de propostas a serem votadas. Sem contar as novas propostas que viriam da Câmara assim que os deputados as aprovassem (apenas as matérias de iniciativa dos próprios senadores começam a tramitação no Senado).

Nessas situações hipotéticas, nenhuma proposta nova deveria ser apresentada. Cada congressista deveria relatar pelo menos quatro projetos para “dividir o trabalho” com os colegas. Mas, se todas as matérias fossem aprovadas, a legislação brasileira mudaria 2.472 vezes em dez anos, o que certamente confundiria a vida dos cidadãos.

*Fonte: Câmara e Senado.

Entenda como foi feito o levantamento

Evidentemente, nem tudo o que está nas gavetas do Parlamento contribuiria com a sociedade caso fosse aprovado. Há várias propostas esdrúxulas e mesmo inconvenientes. Mas a pilha de propostas inclui projetos que merecem discussão – para aprovar ou rejeitar -, como a lei da mordaça do Ministério Público, proposta pelo deputado Paulo Maluf (PP-SP), projetos contra candidatos “ficha suja”, afrouxamento das normas para se cassar uma carteira de motorista, simplificação dos divórcios e uma das polêmicas que divide o país, o casamento gay.

Polêmica fica na fila
Isso se dá por uma características que facilmente se verifica: a polêmica fica na fila. Os parlamentares, propositalmente, por falta de consenso ou de agendar corretamente as prioridades, deixam de lado diversas matérias amplamente discutidas. Entre o desgaste de rejeitar ou aprovar temas que não têm consenso na sociedade, melhor deixá-los eternamente na fila. Ao mesmo tempo, os números revelam que o sistema legislativo precisa de ajustes, mesmo considerando-se a necessidade de tempo para melhor discussão das propostas.
“Todas essas questões que são muitos importantes exigiriam uma atitude extremamente firme e ousada das mesas das Casas”, observa o professor José Álvaro Moisés, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). “Deviam dizer: ‘Olha, vamos colocar em votação, vamos limpar a pauta, vamos tirar o que não é de consenso da maioria, etc e tal’. Não fazer isso é uma maneira de contemporizar. É uma atitude ambígua, que nem joga no lixo o proposições que podem ser importantes, nem decide nada sobre elas. Fica no limbo.” 

Parlamentares dizem que zerar fila é impossível

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) entende que é necessário coragem dos colegas para enfrentar alguns temas. “A favor ou contra, popular ou impopular, vota tudo”, diz ele.
Para o senador Renato Casagrande (PSB-ES), falta melhorar a agenda. “Você pode selecionar em torno de 20 ou 30 matérias que são importantes e que você precisa votar”, diz Casagrande. “Ter matéria para ser votada não é problema. O que falta ao Congresso não é votar, é uma definição de prioridades daquilo que é de interesse da nação. E estabelecer um cronograma de votação.”
Propostas com nove anos

A média de idade dos projetos que estão na Câmara, por exemplo, dá noção do trabalho que é criar uma lei no Brasil. As mais de 2 mil proposições que estão nas gavetas dos deputados têm, em média, 9 anos de tramitação.
Curiosamente, o projeto de resolução 279/06, se fosse aprovado, jogaria no lixo a maioria das propostas em tramitação na Casa. Isso porque a proposição do deputado Paulo Magalhães (DEM-BA) diz que, se uma matéria tramitar por mais de duas legislaturas (oito anos no máximo), deverá ser arquivada definitivamente.
Na justificativa, ele constata que existe muita ideia inútil nos corredores do Poder Legislativo. “Além de atravancar as pautas das Comissões e da Ordem do Dia, dificultam a otimização e celeridade de todo processo legislativo, oneram em muito os cofres públicos, para, ao final, e não raras vezes, configurarem tentativas de disciplinar matérias absolutamente irrelevantes para o país”, diz Magalhães.
A realidade, porém, não é bem essa. Se a proposta de Paulo Magalhães estivesse em vigor, iria para o lixo este o projeto do então Geraldo Alckmin de tornar 1992 o “Ano Nacional dos Transplantes no Brasil”. De fato, é uma inutilidade que tal projeto, de 1991, ainda esteja em tramitação 18 anos depois da data proposta. Mas a proposta de Paulo Magalhães jogaria na mesma lixeira o Programa Nacional de Resíduos Sólidos. Saudado agora como a solução para evitar novas tragédias como o deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói, o projeto de lei tramitou 19 anos na Câmara.

As mais antigas

A proposta mais antiga no plenário da Câmara, o PL 1069, apresentado em 1983, dormita no plenário desde 22 de outubro de 1997. E é pela rejeição o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão de Trabalho a proposta que assegura estabilidade no emprego enquanto o trabalhador aguarda a tramitação de ação na Justiça trabalhista.

Em seu relatório, Paulo Rocha (PT-PA) diz que a matéria é “desaconselhável” porque a maioria das pessoas recorre ao Judiciário depois que sai do emprego. Além disso, poderia gerar demandas trabalhistas com o único objetivo de se manter um posto de trabalho, diz Rocha, que foi acompanhado pelos deputados da Comissão de Trabalho.
A proposta mais antiga no plenário do Senado é o substitutivo da Câmara ao projeto de lei do Senado 16/95. A ideia é que as certidões de nascimento, registros escolares, prontuários de saúde, ocorrências policiais e documentos médicos-legais informem a cor do cidadão.

O projeto foi feito em 1995 pela então senadora Benedita da Silva (PT-RJ). Passou no Senado e, com modificações, na Câmara. Desde outubro de 2008, aguarda nova análise pelo plenário do Senado.
Desde 1949

O levantamento analisou só matérias no plenário da Câmara e do Senado e ignorou as milhares que ainda tramitam nas comissões. Caso, inclusive, da proposta mais antiga do Congresso brasileiro. A ratificação da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) garante a pluralidade sindical, mas contraria o texto da atual Constituição.
Ela foi enviada à Câmara em 1949 pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, mas só foi aprovada pelos deputados em 1984. A partir de então, passou a vagar pelo Senado. Desde outubro de 2008, o projeto de decreto legislativo 16/84 está nas mãos do senador José Nery (PSOL-PA), à espera de um relatório na Comissão de Assuntos Sociais.

Congresso em Foco

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