Congresso em foco

Golpe da creche empregou cantor no gabinete do deputado Raymundo Veloso para ficar com seu salário e benefícios.

 Beijou minha boca por quê?
Beijou minha boca
Agora me encontra e finge nem me conhecer
Beijou minha boca por quê?
Beijou minha boca
Diz que tem namorado e pede pra eu esquecer

Esse é o refrão de “Beijou minha boca”. Seria apenas mais uma tentativa de sucesso de uma dupla sertaneja, não fosse por um detalhe. Seu autor, o cantor Igor, da dupla Igor e Breno, foi durante 14 meses funcionário do deputado Raymundo Veloso (PMDB-BA). O problema é que Igor, ou Zenon Vaz da Silva, seu nome verdadeiro, não precisava aparecer para trabalhar. O cantor sertanejo era funcionário fantasma, peça no esquema de desvio de recursos públicos conhecido como “Golpe da Creche”, que vem sendo denunciado pelo Congresso em Foco . Ele não é o único personagem inusitado desse esquema que já desviou R$ 2 milhões do Orçamento da Câmara. Além do cantor sertanejo, há entre os fantasmas também um vendedor de pasteis. 

Morador de Taguatinga, cidade do Distrito Federal conhecida pelos bares que revelaram duplas como Rick e Renner, Zenon, o Igor, ao menos de acordo com os boletins administrativos da Câmara, trabalhou no gabinete de Raymundo Veloso de fevereiro de 2008 a 5 de maio de 2009.

Como SP-06, o salário inicial era de R$ 1.441,72, já incluída uma gratificação de R$ 480,86 e os R$ 480 de vale-transporte. Quando saiu, ganhava R$ 1.561,94, como SP-07. A reportagem não conseguiu apurar se o cantor sertanejo também recebia auxílio-creche (que pode chegar a mais de R$ 600 por criança).

Em seu depoimento aos policiais, Zenon descreveu assim seu trabalho no gabinete: “um comparecimento uma ou duas vezes por semana”. Para os investigadores, trata-se de um fantasma. Segundo a polícia, Zenon nunca colocou os pés na Câmara. Os investigadores dizem que ele é amigo de Abigal Pereira da Silva, apontada como líder da quadrilha junto com o marido Francisco José Feijão de Araújo, o Franzé.

A apuração diz que o casal de ex-servidores da Câmara disse abertamente a Zenon que ele não precisaria trabalhar. Bastaria assinar alguns papéis e ele passaria a receber o salário. Uma pequena parte ficaria com o cantor sertanejo. O restante, com o casal agenciador.

Ainda não se sabe como foi assinado o ato de nomeação de Zenon. Isso é prerrogativa do deputado Raymundo Veloso. Em entrevistas anteriores, Veloso disse não ter responsabilidade sobre a contratação de outras funcionárias indicadas por Abigail. Ontem (23), ele disse ao Congresso em Foco que não comentaria o assunto – Está tudo na Justiça” – mas afirmou que seu chefe de gabinete procuraria o site, o que não aconteceu.

Sem contato

Ainda antes do feriado de carnaval, a reportagem ligou para o celular de Zenon. Ele disse ao site que estava na estrada e só poderia falar depois dos festejos de fevereiro, porque iria fazer apresentações musicais em Minas Gerais. Mas, na semana seguinte, quem atendia seu celular era uma pessoa identificada como Breno, seu parceiro na dupla, que afirmou que ele estava na casa de parentes em Minas. Não houve retorno aos recados deixados.

Procurados por advogados e familiares, Franzé e Abigail não responderam aos pedidos de esclarecimentos do Congresso em Foco. Nas últimas semanas, Abigail disse ao site que ela e o marido só poderiam comentar o caso depois do carnaval. Mas não foi possível marcar entrevista e nem houve retorno dos recados deixados.

Canção de político

O CD “Acústico” da dupla Igor e Breno foi lançado em dezembro e é o primeiro trabalho dos dois. Tem 11 canções, como “Confusões”, “Não era pra ser”, “Que amor é esse” e “Vai embora”. Só uma não é composta por Zenon. “Tchau, amor” foi escrita pelo ex-deputado federal Wigberto Tartuce (PP), o Vigão.

Hoje, o ex-político se dedica apenas à rádio Atividade, na qual lança duplas sertanejas, desde que teve de sair da Secretaria de Trabalho do Distrito Federal acusado de desviar dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em 2000 em cursos de qualificação profissional. Em agosto de 2008, o Tribunal de Contas da União condenou Vigão, sua mulher e ex-dirigentes da secretaria a pagarem quase R$ 270 mil por irregularidades no uso de dinheiro do Ministério do Trabalho.

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