Com o encerramento da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, termina oficialmente nesta sexta-feira a campanha mais agressiva para a Presidência da República desde a redemocratização. Marcada por troca de ataques e exploração de escândalos políticos, a eleição de 2010  contrariou o modelo que guiou disputas anteriores, nas quais adversários evitavam ataques em debates e discursos para não afugentar eleitores.

Tanto o PT da ex-ministra Dilma Rousseff como o PSDB do ex-governador José Serra dizem ver na campanha deste ano um dos embates mais tensos da história recente. “Foi uma das eleições mais radicalizadas do Brasil nos últimos anos, com radicalizações desnecessárias de ambos os lados e que não contribuíram em nada para formação da opinião do eleitor. Fica a lição para que, nas próximas eleições, as ideias é que briguem e não as pessoas”, afirma o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, senador eleito pelo PSDB.

“Há muito tempo participo de disputas eleitorais, e eu nunca vi uma eleição em que o subterrâneo, a calúnia e a falta de respeito estiveram tão presente. Lamento, mas posso garantir que isso não partiu do nosso lado”, justifica o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), um dos coordenadores da campanha petista à Presidência.

A campanha deste ano só pode ser comparada à que opôs o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o atual senador Fernando Collor de Mello na disputa pela Presidência, em 1989, segundo o vereador José Américo (PT-SP). Coordenador da campanha petista naquela eleição, Américo relembrou o fato de Lula ter sido acusado por Collor de se negar a pagar pensão para uma filha fora do casamento. Lula, conta o vereador, também foi acusado de querer invadir casas e proibir cultos em igrejas.

“Foi uma campanha muito intensa”, resume, ao investir na tese de que, desta vez, ataques que segundo ele feitos ao PT foram mais “sofisticados e organizados”, sobretudo por causa dos boatos disseminados pela internet. Segundo ele, as campanhas de 1994, 1998 e 2002 foram “relativamente tranqüilas” porque os presidentes eleitos iniciaram a disputa na posição de favoritos, e foram eleitos nessa situação.

Foto: Agência Estado

Collor e Lula, durante debate da eleição de 1989, mediado pelo jornalista Boris Casoy; disputa eleitoral daquele ano foi marcada por acusações e troca de ataques

O senador Sérgio Guerra (PE), presidente nacional do PSDB e coordenador da campanha tucana à Presidência, ironiza as críticas dos adversários e afirma que é o PT, na verdade, quem se especializou em produzir dossiês contra os rivais, como aconteceu em 2006 no chamado escândalo dos aloprados. Na época, petistas foram presos tentando adquirir um dossiê contra tucanos que disputavam aquela eleição – Serra era candidato ao governo paulista e Geraldo Alckmin concorria à Presidência.

“Sou presidente do partido e coordenei a campanha. E gostaria de saber onde é essa central de boato pra mandar desfazer”, rebate. Segundo o dirigente tucano, o que se fala na internet e nas redes sociais é um fenômeno difícil de se obter controle. “A internet tem um papel nisso e expandiu imensamente (os ataques)”.

Histórico

A avaliação entre os comandos das duas campanhas é que, como em 2006, quando o escândalo do mensalão ainda era recente, os ânimos ficaram tão acirrados como na campanha deste ano. Quando a disputa se aproximava do fim, Alckmin subiu o tom das críticas a Lula, que tentava a reeleição. A ofensiva até hoje é apontada como fator que o levou a terminar o segundo turno com menos votos do recebeu na primeira fase da campanha.

Morna no princípio, quando Serra evitava ataques diretos a um governo com alta popularidade, a disputa deste ano esquentou na reta final do primeiro turno. O cenário começou a mudar em setembro, com a eclosão do escândalo da violação de sigilo pessoas próximas a Serra – entre elas sua filha, Verônica Serra. O tucano chegou a comparar a situação aos ataques lançados por Collor sobre Lula em 1989.

Pouco depois, foi revelado que familiares da sucessora e antigo braço direito de Dilma na Casa Civil, Erenice Guerra, participavam de um esquema de tráfico de influência no governo. O novo capítulo de acusações sobre Dilma provocou a queda da ministra.

O auge da tensão aconteceu, no entanto, já no segundo turno, durante debate promovido pela TV Bandeirantes, em 10 de outubro. Na ocasião, tanto Dilma quanto Serra levaram à tona episódios constrangedores contra os adversários. De um lado, a petista colocou no centro da discussão o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza (conhecido como Paulo Preto), ex-assessor do tucano suspeito de ter desviado R$ 4 milhões em recursos que teriam supostamente sido arrecadados pela campanha tucana e não declarados à Justiça Eleitoral. No encontro, Dilma tentou também colar no rival a pecha de “privatista” e disse que a eleição do tucano significaria o “risco” de privatização da Petrobras.

Entre todos os escândalos e temas espinhosos, no entanto, nenhum produziu tanto resultado como a exploração do tema do aborto. A campanha tucana, que passou a eleição afirmando que Dilma teria posição dúbia em relação ao tema, foi acusada pelos petistas de “caluniar” a candidata. Dilma chegou a citar um episódio em que a mulher do tucano, Mônica Serra, teria dito a um eleitor, durante campanha no Rio de Janeiro, que a ex-ministra era “a favor de matar criancinhas”.

Com o assunto em pauta, mensagens contra a candidata passaram a ser divulgadas em sites, e-mails e redes sociais e levou o comando petista a instalar uma “central antiboataria” para estancar os estragos, sobretudo nos meios religiosos, onde padres e pastores passaram a fazer campanha direta contra a candidata. Serra também recorreu ao mesmo recurso para afastar boatos de que, se fosse eleito, promoveria a privatização da estatal e acabaria com programas federais, como o Prouni e o Bolsa Família.

Foto: AE

Tumulto em atividade de Serra no Rio ajudou a elevar o tom das críticas nas últimas semanas da campanha

 

Discursos

A tensão vivida na atual campanha levou os dois lados a intensificarem os ataques ao lado adversário. Lula chegou a afirmar que faltava “hombridade” a Serra. Tucanos, por sua vez, questionavam a participação de Lula na campanha, que, segundo eles, extrapolava as prerrogativas institucionais da Presidência.

Militantes dos dois lados entraram em confronto durante um ato ocorrido no Rio. Na confusão, objetos foram arremessados contra o candidato, que interrompeu a caminhada e foi parar em um hospital. Enquanto o tucano dizia ter sofrido agressão, petistas diziam que o objeto que acertara a cabeça do candidato era, na verdade, uma bolinha de papel.

Lula chegou a acusar Serra de comandar uma “farsa”. “Eles tratam adversários como inimigos, e inimigos que precisam ser destruídos”, rebateu Serra. Pouco depois, foi a vez de Dilma, que desviou de bexigas d’água em uma atividade de campanha.

Sério Guerra tenta jogar em Lula a responsabilidade pela violência da atual campanha. Em entrevista concedida à revista Veja no período de pré-campanha, Guerra chegou a afirmar que os adversários fariam qualquer coisa para não perder o governo e que, portanto, esta seria a campanha mais sangrenta dos últimos anos. “O que vimos, de fato, foi o uso total e irrestrito do aparelho público pra fazer campanha”, avalia

*Colaborou Andréia Sadi, iG Brasília

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