O Rio de Janeiro registrou volume de chuva recorde para um único dia – o maior em pelo menos 44 anos -, causando estragos, deslizamentos e 100 mortes em vários locais da região metropolitana desde a noite de segunda até a tarde de ontem.

As Zonas Oeste e Norte foram as mais atingidas, especialmente as regiões perto do Centro da capital carioca – só na cidade do Rio, as mortes chegam a 34. Bairros ficaram ilhados e sem energia. Há ainda registros de grandes volumes de água em toda a cidade, segundo o Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Georio). Em outros municípios da região metropolitana, como Duque de Caxias, também ocorreram estragos.

Muitos moradores relataram momentos de perigo e medo. “Agora, depois da enchente, eu passei para a casa de cima. Se eu estivesse lá embaixo eu morreria, porque desta vez a água atingiu o teto”, disse a técnica em enfermagem aposentada Dalmair dos Santos Lima, 70 anos, moradora de São Gonçalo.

Pelo menos 200 pessoas foram resgatadas por técnicos da Defesa Civil na cidade do Rio de Janeiro desde o início das chuvas até por volta de 13h de ontem. As encostas de todo o Rio correm risco de desabamento.

Recorde  – Institutos consultados pelo G1 apontam que o volume é o maior das últimas décadas. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), os dados indicam que a quantidade foi a mais elevada desde 1962, há 48 anos, quando foi registrado o maior volume em único dia pela série histórica – a medição é feita desde 1917. Já segundo a prefeitura do Rio, o volume registrado bateu o das chuvas de 1966, há 44 anos, quando tempestades também causaram estragos no município.

O Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Georio), que analisa os dados pluviométricos de 32 locais da cidade, destaca que, somente nos seis primeiros dias deste mês, já choveu na maioria das estações mais do que em todos os meses de abril desde o início da série histórica, de 1997.
Dados do arquivo do Inmet em Brasília apontam que, no dia 16 de janeiro de 1962, quando fortes chuvas também causaram estragos no município, o volume havia sido de 167,4 milímetros em 24 horas – o Inmet mede os dados na capital carioca desde 1917.

O instituto ainda não tem dados das últimas 24 horas, porque, segundo Lúcio de Souza, meteorologista do instituto no Rio, os técnicos não conseguiram chegar ao trabalho ontem.

A estimativa de ser a maior chuva desde 1962 é feita com base nos dados do Georio, cujos dados também são utilizados por institutos como Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) e Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Infelizmente não temos informações das nossas estações nas últimas 24 horas, mas os dados prévios [do Georio] mostram que se trata de um recorde”, comenta o meteorologista Luiz Cavalcante, do Inmet.
O Georio aponta que, nas últimas 24 horas encerradas às  17h11 de terça, a maioria das 32 estações de medição registrou chuvas acima de 167 milímetros.

Água da chuva alaga museu de arte

A água da chuva que atinge o Rio invadiu as galerias do Museu Casa do Pontal, de arte popular do Brasil, localizado no Recreio, Zona Oeste do Rio. A administração do museu diz que ainda não é possível avaliar as proporções dos danos causados ao acervo e às instalações do museu, mas adiantou que a situação é grave.

Desde as primeiras horas da manhã, funcionários e prestadores de serviços trabalham no museu para reparar os danos. O local conta com mais de oito mil obras. A maior parte do acervo é composta por obras raras, cujos autores já faleceram.

Autoridades – O governador do Rio, Sérgio Cabral, destacou que a “grande causa” das mortes são as ocupações irregulares. “Entre os mortos, todos praticamente (estavam) em áreas de risco”, disse, em entrevista por telefone à Globo News, no começo da tarde de ontem. “Pediria pelo amor de Deus que as pessoas que estão em áreas de risco saiam, procurem centros sociais”, completou.

O prefeito Eduardo Paes recomendou, durante a manhã, que a população não saísse de casa. A cidade ficou em estado de alerta máximo. “Nosso apelo é para que as pessoas permaneçam em casa, não saiam de casa, não levem seus filhos ao colégio”, disse Paes. A prefeitura determinou a suspensão das aulas.

AEROPORTO – O Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão-Antônio Carlos Jobim está aberto para pousos e decolagens, mas opera por instrumentos. No fim da manhã, os atrasos eram de, em média, uma hora. O Aeroporto Santos Dumont está aberto para pousos e decolagens, mas opera por instrumentos. Durante a manhã, o terminal chegou a fechar. No fim da manhã, os passageiros enfrentavam atrasos de até cinco horas.
A empresa Ocean Air informou que não cobrará taxas para remarcações de bilhetes.

Chuvas foram consideradas “anormais”

De acordo com meteorologistas, as chuvas fortes que atingem o Rio são “anormais” para a época, causadas por dois fatores: o calor acumulado na atmosfera, uma vez que as temperaturas registradas na cidade foram muito elevadas no verão, e uma frente fria que passou pela região.

Para Lúcio de Souza, do Inmet, a frente fria é a principal razão. Ele destacou que, embora com volume atípico de chuva, trata-se de uma situação normal para a época. “A condição da atmosfera, por causa da alta umidade em razão do verão, favoreceu.”

Gustavo Escobar, do Inpe, chama, no entanto, a situação de “anômala”. “A frente fria que chegou, combinada com atmosfera carregada de umidade e o calor dos últimos tempos, foi um gatilho para o temporal. A combinação provocou esse evento anômalo.”

Técnico do Climatempo, Alexandre Nascimento disse que o forte calor dos primeiros meses do ano foi crucial para o forte temporal. “A média de temperatura em janeiro e fevereiro ficou acima dos 36º, de cinco a seis graus acima do normal. Caiu um pouco em março, com média de 33º, mas também acima do normal. A frente fria encontrou a atmosfera muito quente, úmida, e o volume de água foi uma resposta a todo esse calorão.”

AQUECIMENTO – Para o meteorologista Igor Oliveira, do Alerta Rio, ligado ao Georio, não é possível associar o fenômeno, que classificou de “atípico”, com  o aquecimento global, mas também não se pode descartar sua influência.

Para ele, abril deste ano vai ficar marcado. “As chuvas já estão acima do normal comparando com outros meses de abril, então mesmo que daqui para frente chova pouco, isso vai contribuir muito. A situação é anormal, embora haja uma explicação, que é a combinação da frente fria com a atmosfera quente e úmida. Muita gente gosta de dizer que é o aquecimento global, e essa é uma hipótese muito provável, mas não dá para saber, precisamos de estudos mais amplos.”
Oliveira destacou que a maré alta na noite de segunda ajudou a favorecer os alagamentos na cidade do Rio.

Peixe foi parar na sala de uma empresa

Quando a estudante Jéssica Cristine Tavares, 24 anos, abriu a porta de uma das salas da empresa onde trabalhava,  por volta das 2h da madrugada da última segunda, foi recebida por uma enxurrada: lixo, mato e até peixes foram trazidos pela água barrenta das chuvas que alagam o Rio desde a noite de segunda.
O escritório em que ela estava com mais duas pessoas fica bem próximo ao Rio Maracanã, no bairro da Tijuca, uma das áreas mais atingidas pela enchente.

“O primeiro andar ficou todo com uns 50 cm de água, chegou no segundo degrau da escada que vai para o segundo andar, onde eu trabalho”, disse Jéssica.

A estudante desceu as escadas depois que o colega da sala de baixo pediu pelo rádio que ela ajudasse a resgatar os computadores, que estavam sendo atingidos pela água. “Ele estava de costas para a porta e, quando percebeu, a água já tinha invadido a sala e estava chegando nos computadores”, relatou ao G1.
“Quando eu abri a porta da sala dele, a água entrou numa enxurrada, igual uma cachoeira. Veio junto com mato, lixo, peixe”, diz Jéssica, que se juntou ao rapaz nos esforços para salvar o equipamento.

“A gente tentou salvar o que podia. Vários computadores nós não estávamos conseguindo tirar do chão, porque a água estava no nosso pé e estava dando muito choque. Então subimos em cima da cadeira e tentamos puxar os fios para desligar os computadores”, conta.

“O Rio Maracanã estava parecendo uma cachoeira, não dava para saber o que era rio, o que era rua.

“Jéssica só conseguiu sair do trabalho bem depois das 7h, horário em que termina seu expediente. “Não tinha como ninguém chegar ou sair de lugar nenhum. Onde as pessoas estavam elas permaneceram. Tanto é que agora de manhã lá na empresa está com falta pra caramba, porque ninguém está conseguindo chegar”, diz.

Nos arredores do prédio de Jéssica, a cena era de desolamento. “O Rio Maracanã estava parecendo uma cachoeira, não dava para saber o que era rio, o que era rua. Todo mundo preso, as pessoas que trabalham nos restaurantes tentando sair mas não tinha como. Na rua, a água estava quase chegando na minha cintura, uma água totalmente barrenta”, relata.

Tribuna da Bahia

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