Apartamentos do Minha Casa, Minha Vida, em Salvador, estão sendo vendidos e alugados em vez de servirem de moradia para famílias carentes
Por: Luciana Rebouças

Ano novo, casa nova, mas o programa do governo federal, Minha Casa, Minha Vida, na Bahia, continua com velhos problemas. A equipe do CORREIO esteve em alguns empreendimentos nesta última semana e ouviu as queixas dos  moradores. Falta de água, falta de luz, problemas com segurança e transporte, imóveis com problemas na entrega e, o pior, pessoas que conseguiram a primeira casa própria com amplo subsídio do governo, mas já estão se desfazendo do imóvel.

É esta a situação no Residencial Recanto das Margaridas, no Jardim das Margaridas, próximo a São Cristóvão, que foi estruturado para atender famílias do Movimento dos Sem-Teto de Salvador, com renda de zero a três salários mínimos. Com as chaves entregues desde março, muitos dos novos donos começaram a negociar o imóvel recebido. Crispim André Oliveira Salomão, ambulante, não teve medo de denunciar que morava no local de aluguel. Na sexta-feira, ele  procurou o CORREIO para avisar que o imóvel em que estava já havia sido vendido e que a “corretora” já tinha solicitado que ele se retirasse até amanhã.

Além de abrir as portas da casa, Salomão mostrou as contas de cada mês que paga e entrega os comprovantes à proprietária. Ele disse que não tem recibos. “Acho injusto, porque estou inscrito no programa Minha Casa, Minha Vida, morava em uma invasão e até agora não me chamaram. O governo está dando casa para quem depois vai vender. E eu, vou para onde?”, reclama o morador, que divide a casa com um filho de 14 anos e paga R$ 100 de aluguel, enquanto outros moradores pagam prestações de R$ 50 à Caixa.

A mesma denúncia é feita por outros moradores, que confirmam a venda de  mais de 20 apartamentos. Eles dizem que uma corretora, de apelido Diu, tem ido no local para pressionar as famílias a se desfazerem dos imóveis.

Denúncia
Quando questionado sobre a situação do condomínio, o subsíndico do Residencial, Manoel Bonfim, diz que houve boatos sobre as vendas, mas que as pessoas escondem a realidade dele. “Infelizmente, as pessoas ainda não perceberam a magnitude disto aqui”, diz ele.

Já o síndico, que se identificou apenas como Nelson, tem hoje um escritório na frente do condomínio, onde recebe e organiza as correspondências e faz cobranças junto aos moradores. Estes acusam Nelson de estar por trás das vendas dos imóveis, afirmando que ele lucra com as taxas de condomínio que cobra. A alegação dos administradores do condomínio é que a taxa é de apenas R$ 15, para pagar a água e a luz. Porém os moradores afirmam que pagam R$ 27 mensais.

Satisfação
Enquanto proprietários se desfazem do imóvel, uma moradora, que pediu para ser identificada apenas por Neuza, mostra feliz o apartamento que conseguiu. Pintura nova, móveis novos, a ex-ocupante da invasão da fábrica da Tosta, na Cidade Baixa, vive  satisfeita com os dois filhos e o marido, pagando
R$ 131 mensais na Caixa, já que recebe mais de um salário mínimo. Problemas sempre tem, como os vazamentos que mofaram todo o teto do banheiro e da cozinha, antes mesmo de o apartamento ser ocupado. Mas ela não esconde que está contente. “Nunca tive onde morar, por isso eu gosto daqui. Não vendo por dinheiro nenhum”,  assegura.

MCMV teve mais de 21 mil casas entregues na BA

Na Bahia, as habitações contratadas pelo Minha Casa, Minha Vida totalizam 104.731 residências com investimentos de R$ 4,93 bilhões. Em todo o estado, foram entregues 21.749 mil unidades, na faixa de renda até R$ 1,6 mil. O estado segue com o recorde na contratação de moradias para esta faixa do programa.

Para quem tem interesse, o primeiro passo  é procurar um dos postos de cadastramento abertos pelas prefeituras ou governos estaduais. Depois de selecionado, o interessado é convocado para comparecer à Caixa ou prefeitura  para apresentar documentos, como carteira de identidade e CPF.

Um dos empreendimentos do programa entregue recentemente na Bahia foi o Residencial Dona Lindu, em Itinga. Em geral, os moradores estão satisfeitos, mas há problemas graves, como  falta de água e  de acesso ao transporte público, que só roda dentro da comunidade até as 19h, e somente até Lauro de Freitas. “Para quem está desempregada e tem que pegar dois transportes, fica pesado”, comenta a moradora Valdeci dos Santos. Nesse mesmo condomínio, há problemas de convivência, com moradores usando de forma imprópria o tanque de água, por exemplo.

Cajazeiras XI: moradores querem mais segurança
O Residencial Sítio Santa Isabel, em Cajazeiras XI, também construído para o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), parece triste  à primeira vista. E não é para menos. Foi lá que, na segunda-feira passada, o menino Fabricio Rocha Cruz, 7 anos, morreu atingido por uma bala perdida dentro do condomínio.

Durante a semana, as crianças não brincaram nas ruas do local como nos outros residenciais do Minha Casa. As pessoas estavam mais assustadas e reclamaram mais segurança no local, além de um portão na entrada do condomínio, como havia sido prometido pela Caixa Econômica no contrato. “Cada morador vai pagar R$ 17 para colocarmos um portão aí na frente. Ele vai custar R$ 2.300”,  informou a moradora Janete Evangelista, ex-integrante do Movimento Sem-Teto de Salvador, que morou por oito anos em uma invasão.

Com exceção desse problema maior, a moradora está feliz com a casa nova, mas lembra que precisam ser oferecidos os serviços de manutenção que haviam sido prometidos para os primeiros cinco anos. Há mais de 20 dias, Janete sobe e desce com a água no balde, já que a bomba do prédio quebrou. “Já reclamamos, mas não deram resposta nenhuma”.

Em nota, a Caixa  informou que o Residencial Sítio Santa Isabel não é um condomínio fechado e que o projeto não previa a instalação de portão já que, nos empreendimentos habitacionais contratados com urbanização integrada, as vias, praças e largos são públicos, conforme Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com a prefeitura. Dessa forma,  qualquer pessoa pode ingressar nas ruas que separam os prédios.

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