Nesta quinta-feira (12), exatos cinco anos após os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), São Paulo ainda convive com os desmandos da principal organização criminosa paulista, espécie de cooperativa de bandidos oriunda dos presídios que, hoje, tem no tráfico de drogas sua principal fonte de renda.

Não satisfeitos em controlar pontos de vendas de entorpecentes e em financiar e organizar grandes roubos, no entanto, os “irmãos” do PCC ampliaram sua força e desenvolveram, de lá para cá, um sistema primitivo – porém eficiente – de execução de desafetos.

Entre os alvos dos membros do chamado Partido do Crime, estão pessoas que desviam ou furtam dinheiro do grupo, ameaçam as lideranças ou que praticam atos não aceitos pelas regras internas do PCC, como o estupro e a pedofilia. Os denunciantes, normalmente, são parentes de presos ou gente ligada ao comando.

As ordens para eliminar ou perdoar um cidadão partem das cadeias. Em ligações coletivas via celular, muitas vezes unindo lideranças de presídios distintos, os integrantes da organização criminosa planejam os chamados “debates”, tribunais ilegais em que a pena de morte é uma sentença corriqueira.

Como explica Carlos Battista, delegado que acompanhou diversas escutas telefônicas quando monitorava o tráfico pelo Departamento de Narcóticos (Denarc), lideranças fazem o papel do juiz. “Quando há uma desavença, eles fazem o debate para cada um dar o seu ‘parecer’. São várias pessoas na linha, cada um resumindo sua opinião sobre o ato praticado. Já vi alguns perdões. Mas, normalmente, mandam matar ou torturar”, afirma ele, que hoje atua como delegado assistente no 20º Distrito Policial (Água Fria) da capital.

Em código, ordem para matar desafeto

De tão comuns, as escutas telefônicas que flagram as encomendas de assassinatos foram parar até em rádios de São Paulo. Um dos programas que mais as divulga é o chamado Ronda da Cidade, transmitido pela Rádio Terra 1330 AM e comandado pelo capitão da reserva da PM e ex-deputado estadual Conte Lopes (PTB), que forneceu alguns arquivos de áudio para o UOL Notícias.

Em um dos grampos, está um suposto flagrante da ligação feita por Rodrigo Olivatto de Morais em 2005 para seu padrasto Marcos William Camacho, o Marcola, líder do PCC. Na ocasião, Marcola teria ficado indignado com um achaque da polícia, que pediu R$ 300 mil para liberar o rapaz.

O caso de corrupção teria sido fundamental para o início dos ataques de maio de 2006. A conclusão é apontada em relatório intitulado ‘São Paulo sob Achaque: Corrupção, Crime Organizado e Violência Institucional em Maio de 2006’, desenvolvido pela organização não governamental (ONG) Justiça Global e pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard, com apoio de outras entidades.

“Todas as vozes são do PCC”

“Todas as vozes ali são de membros do PCC. Os criminosos planejam os crimes pelo celular. Todo policial sabe que a coisa (repressão) está meio frouxa, meio devagar”, afirmou Lopes. Apesar de atestar a veracidade das conversas, Lopes diz não conseguir identificar os participantes dos debates. “Só sei que foram escutas de 2008 e 2009.”

Comandante-geral da Polícia Militar (PM) de 1999 a 2002, o policial reformado Rui César Mello ouviu as gravações e, para ele, as vozes e o perfil dos diálogos parecem reais – e são reveladores de “falhas” no sistema prisional. “Há muitos celulares nas cadeias, o que deveria ser reprimido. Mas com certeza as autoridades estão mapeando as quadrilhas. E deve haver trabalho preventivo: ao escutar determinado anúncio de crime, a polícia precisa agir antes”, afirma.

Escuta: enteado pede ajuda de Marcola

Especializado no tema, o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino também critica a forma como os celulares continuam a ser usados no sistema penitenciário paulista. Ex-promotor do Grupo de Atuação e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o membro do Ministério Público não aprova estratégias que permitam o uso de telefones como forma de monitoramento dos presos. “Não que ela esteja em uso, mas é uma péssima ideia. Se você grampeia 60 aparelhos de mil, o número de crimes planejados continua grande e, por isso, a tática não vale a pena.”

Cultura da vingança sangrenta

Na visão de Denis Mizne, diretor do Instituto Sou da Paz, outra chaga evidenciada pelos tribunais do PCC é a fraca presença do Estado na periferia. “A Justiça tradicional é muito lenta. A pessoa vai na delegacia e demora horas para fazer um Boletim de Ocorrência, além de ser mal tratada. Depois, o processo some e ela nunca mais vê o resultado. Tem gente que acaba apelando para a Justiça dos criminosos.”

Segundo ele, no entanto, o PCC não está fazendo nenhuma inovação, apenas chamando para si a responsabilidade por coibir ações sempre tidas como inaceitáveis nas comunidades carentes. “Os praticantes de crimes que mexem com a moral, como estupradores e pedófilos, sempre foram vítimas de vinganças sangrentas na periferia, assim como os crimes contra o patrimônio em áreas de tráfico. É cultural. O PCC apenas organizou essa prática”, afirma.

PCC organiza vingança por roubo

De toda forma, há especialistas que enxergam um enfraquecimento do Primeiro Comando da Capital no Estado. “O PCC tem várias faces. Muitas das lideranças que incentivaram os ataques em 2006, após a morte de tantos parceiros, acabaram perdendo força internamente. Além disso, a polícia passou a investigar as lideranças mais de perto, e prendeu muita gente. A conta ficou cara”, afirma José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-secretário Nacional de Segurança Pública.

Segundo ele, a criação de facções dentro de presídios é um fenômeno mundial – e não há uma fórmula comprovadamente eficiente para inibir a formação dos grupos. “A situação precária dos presídios no país propicia uma venda interna de segurança e conveniência. E o bandido que está na rua sabe que corre o risco de ir preso. Por isso, mesmo os membros do PCC que estão soltos, são fiéis aos detentos, pois sabem que podem voltar para trás das grades”, diz Vicente.

Para o coronel, uma das formas práticas de reduzir o poder dos criminosos seria investir de forma robusta no combate à corrupção policial e dos agentes penitenciários. “Sem o apoio do Estado, o crime organizado não tem poder nenhum.”

A Secretaria de Segurança Pública optou por não comentar as informações e os áudios publicados pelo UOL Notícias. A reportagem também tentou contato com advogados que já defenderam supostos líderes do PCC, mas não obteve sucesso em encontrá-los. UOL Noticias

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