Kaká está longe de ser o típico futebolista Brasileiro. Nunca conheceu a miséria da favela nem teve a febre de jogar futebol como um escape.

Há jogadores que ameaçam enganar o destino nas próximas semanas, que chegarão à África do Sul quase ao som de trompetes de boas vindas: Lionel Messi, Wayne Rooney, Fernando Torres, Didier Drogba, Cristiano Ronaldo e Franck Ribéry. E depois há Kaká, o evangelista alto e reservado que tem escrito nas suas chuteiras: “Eu pertenço a Jesus” e “Deus é fiel“.
Mas se Kaká ainda acredita em Deus, será que Deus ainda tem fé em Kaká?
Diz-se que o Real Madrid não tem e diz-se também que o seu novo treinador José Mourinho, naquela honestidade brutal que é a sua imagem de marca, parece interessado em pôr-lhe uns patins.
Será que Kaká, que tão recentemente tem sido visto como um peso extra para o restante futebol Brasileiro e pelo Manchester City como uma autêntica franchise, se tornou mesmo nada mais do que um imperfeito objecto de decoração?
É uma história complexa e assombrosa que podemos convenientemente começar a contar a partir do Estádio Olímpico de Berlim.
Há quatro anos, o homem que se tornaria no segundo mais caro jogador da história do futebol, marcou um golo que foi tão primorosamente executado que alguns ficaram convencidos de que, dentro de algumas semanas, ele iria regressar a esse antigo e formidável estádio de Berlim, não para a final de um Mundial, mas para uma coroação.
Já se pensava e antevia tal desfecho. Kaká correu com uma confiança maravilhosa e desferiu um tiro de pé esquerdo que ultrapassou o guarda-redes croata Stipe Pletikosa, e explicou porque é que o mundo contemplava o futebol daquela nação com tanta admiração.
O golo foi para além da excelência técnica. Assistiu-se a uma perfeição familiar e surreal que parecia vinda de outro planeta.

 
Mas então o que aconteceu a Kaká – e ao nosso entendimento daquilo que é o futebol do Brasil?
Durante algum tempo, pareceu que ele tinha sido meramente arrastado por uma equipa completamente incapaz de lidar com o fardo de ser campeã mundial e que era vista, apesar de todas as mostras de mediocridade no torneio de 2002, como uma digna herdeira da mais grandiosa tradição do jogo.
Ronaldinho, como iríamos verificar pouco depois, tinha entrado no declínio terminal enquanto grande jogador. Isso confirmou-se quando mal esboçou uma reacção ao ver a França de Zinedine Zidane varrer o Brasil da estrada para Berlim nos quartos de final. Ronaldinho foi engolido e Kaká um dano colateral, substituído tarde num jogo em que o Brasil carregou o título não só de perdedor mas também de vítima de uma profunda mudança de personalidade.
Não jogaram como o Brasil nem pareciam sequer o Brasil, e foi preciso um ano de reabilitação psicológica, se não de absoluta veneração, em San Siro, para recuperar a confiança de Kaká. Quando Andrei Shevchenko deixou o Milan, Kaká conquistou San Siro de forma brilhante. Ganhou a Liga dos Campeões em 2007 e o Ballon D’Or a milhas do jovem aspirante Cristiano Ronaldo.
Mas agora é tempo para outra coroação, não através de votos mas da acção no grande torneio, e Kaká está outra vez à margem das luzes. Alguns vêem-no como a maior das loucuras galácticas do Real Madrid, €65milhões de falsa partida, irritados por uma lesão que muitos no Bernabéu se queixam, amargamente, de ter sido omitida dos documentos médicos pelos agentes de Sílvio Berlusconi em Milão.

Em 22 aparições e oito golos pelo Real, Kaká, 28 anos, lutou desesperadamente pela graciosidade e convicção com as quais prometeu não só reavivar a competitividade Brasileira no Campeonato do Mundo, mas também recuperar alguma da fé dos Brasileiros nas velhas virtudes do jogo bonito.
E ainda assim, insiste que a sua fé na forma como pode jogar, e agora ainda vai a tempo de iluminar o novo e duro Brasil feito à imagem do combativo treinador e ex centro campista Campeão do Mundo, Dunga, continua tão forte e estimulante como a fé que ele tem em Deus. “Aprendi na minha vida,” diz, “que é a fé que decide se algo acontece ou não. Eu acredito que o Brasil pode ganhar o Mundial e que eu posso ter um papel determinante.
Não é a declaração do futebolista Brasileiro comum, mas Kaká está longe de ser isso. Nunca conheceu a miséria fétida da favela, nunca teve a febre de jogar futebol para escapar, ao contrário de Pelé ou do “pequeno pássaro” Garrincha, ou de tantos heróis tornados folclore que fizeram o futebol Brasileiro. Na realidade, ele teve uma opção de carreira no ténis. O seu pai era engenheiro civil e a sua maior crise veio, não numa luta de rua, mas numa piscina, onde caiu causando uma fractura na coluna vertebral.
Quando a fase da cura acabou e ele estava forte outra vez na zona afectada, deu os créditos a Deus e dedicou-se a uma vida de evangelismo.
Agora acredita que vai tirar mais dividendos. Explica que não devemos rezar por recompensas específicas, mas estabelecer as nossas ambições, dar o nosso melhor e deixar o resto a cargo de uma mediação mais elevada.
A caminho da África do Sul, onde os favoritos unidos iniciarão a sua campanha em Joanesburgo contra a Coreia do Norte, Kaká sentiu um dos brilhos mais acolhedores desde que chegou a Madrid no verão passado e experienciou com Cristiano Ronaldo o vasto peso da expectativa, quando os novos jogadores eram apresentados aos seguidores do Real.
Em Dar Es Salaam, Kaká correu com uma liberdade encorajadora enquanto o Brasil atropelou a Tanzânia por 5-1 na segunda-feira com um toque de bola e uma confiança que atenuaram o desapontamento de Dunga pela equipa ter sofrido o seu primeiro golo desde Outubro. E mais ainda, durou os 90 minutos, sentindo só uma pequena picada numa coxa problemática.

Kaká disse, “Sinto-me bem, melhor do que há algum tempo, mas ainda tenho de me soltar um bocado. Ainda está a faltar qualquer coisinha, mas temos uma semana antes do primeiro jogo e sei que vamos todos trabalhar melhor em conjunto. Aceito as minhas responsabilidades para com a equipa. É bastante natural que a minha experiência em dois Mundiais leve a que me vejam numa posição mais proeminente, especialmente tendo em conta que muitos dos jogadores das equipas de 2002 e 2006 já não estão mais connosco.

Trabalho com este grupo há anos e tenho de perceber que o mais importante de tudo é o esforço colectivo. Mas dentro disso as minhas responsabilidades não são um fardo. São a consequência daquilo que atingi com a selecção nacional. Isso estimula-me.

Não há duvida que existem outras motivações, como o orgulho intrínseco a um homem que uma vez foi eleito o melhor jogador do mundo, mas que em votação recente ficou num remoto sexto lugar, atrás de Messi, Cristiano Ronaldo, Xavi, Andres Iniesta e Samuel Eto’o.
Além disso, tem uma necessidade profunda e pessoal de evitar o fado do futebolista Brasileiro que admirou na sua juventude mais do que qualquer outro. É uma história ligada à experiência corrente da equipa Brasileira, que muitos dos Brasileiros acreditam ter sido separada, irremediavelmente, das raízes do jogo nacional.
Dunga, sem dúvida nenhuma, desprendeu o Brasil dos mais criativos e inspiradores do seu futebol, e para alguns isso é um lembrete da sua influência na vitória Brasileira na América em 1994. Nessa equipa, Dunga foi o aplicador impiedoso dos valores de competitividade. Por comparação, o herói do jovem Kaká, Raí, foi o futebolista puro. Foi também o capitão, mas depois de exibições sem fulgor nos jogos de grupo, foi-lhe retirada a honra, e viu a braçadeira passar para Dunga.
Os puristas reagiram dizendo que foi um mero carregador de piano que assumiu o comando e que estava a passar por cima das pisadas da subtileza de Pelé e Gerson e Didi. Também não ajudou o facto de, na ausência de Raí, que como o seu admirador Kaká, tinha sofrido com uma época desapontante nos Europeus do Paris St-Germain na preparação para o Mundial, o Brasil só ter atingido uma vitória difícil na final, enormemente ajudada pelos falhanços dos Italianos Franco Baresi e Roberto Baggio no desempate pelas grandes penalidades.
Mas aí, Dunga pergunta, em tom desafiador, se a nação quer viver das glórias do passado ou das recompensas de ganhar hoje. Certamente o treinador cimentou o poder, qualidade que parecia fugir desta grande equipa quando uma enfraquecida Inglaterra foi ignorada no Qatar em Novembro passado. Então, na noite do deserto, viram-se meros flashes do esplendor de Kaká.
Agora ele sabe que está obrigado a produzir bem mais do que isso. A exigência posta sobre ele é tão grande como qualquer outra enfrentada por um futebolista Brasileiro de primeira água. É a de reacender com mais frequência aquele brilho que tão entusiasticamente iluminou o Estádio Olímpico há quatro anos, ainda que o tenha feito tão brevemente.
Homens como Messi e Rooney e Torres precisam meramente de ganhar um Mundial. Já Kaká precisa também de lembrar o Brasil da sua identidade e do que isso significa. É um desafio que irá exigir o mais elevado talento e a fé mais profunda. Kaká insiste que possui ambas as qualidades. Os Brasileiros, e grande parte do mundo do futebol, só podem rezar para que isso seja verdade.

Academia de Talentos/Notícias Cristãs

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