Drª Guiomar Miranda – Promotora de Justiça

Pronunciamento na Audiência Pública na Câmara Municipal de Vitória da Conquista – 10 de junho de 2010 (quinta-feira), às 8hs30min.

INTRODUÇÃO

Saudações. Agradecimento ao convite – falar da justificada ausência do Procurador Geral de Justiça, neste ato representado por esta Promotora de Justiça – subcoordenadora da Promotoria Regional de Vitória da Conquista e promotora criminal da cidade.

Em levantamento da CNT/Sensus, realizado em junho de 2007, quase 80% da população brasileira acredita que a violência está fora de controle. Uma enquête feita para o Relatório de Segurança Humana revela que o Brasil é o País onde 75% da população acredita que será vítima de violência num futuro próximo (in BEATO FILHO, Cláudio Chaves. “Sobre Caveiras, Impunidade e Desenvolvimento Social na Segurança Pública”)².

 DESENVOLVIMENTO:

            Desde a última década do século XX, a questão da violência e, não obstante, da segurança pública, passou a ser problema fundamental e principal desafio ao estado democrático de direito brasileiro. Os problemas são variados e transcende os limites do Município de Vitória da Conquista: aumento das taxas de criminalidade, da sensação de insegurança, violência policial, ineficiência preventiva de nossas instituições, superpopulações nas cadeias públicas e presídios, rebeliões, fugas, falta de instituições e degradação das já existentes para acolhimento e internação de jovens em conflito com a lei, aumento dos custos operacionais do sistema, falta de investimentos para a reestruturação das policiais preventivas e repressivas, ineficiência da investigação criminal, impunidade e morosidade judicial, etc., são algumas das diversas causas apontadas como fomentadoras da criminalidade urbana. Entretanto, resta claro que não existe um consenso sobre as causas dos crimes e é bem provável que ele não venha a existir nos próximos anos. A diversidade e heterogeneidade no interior de nossa cidade e no território nacional desautorizam um diagnóstico rápido e simplista apenas para agradar ao grande público.

             A amplitude dos temas e problemas afetos à segurança pública alerta para a necessidade de qualificação do debate sobre a criminalidade e a segurança para inclusão de novos atores, cenários e paradigmas às políticas públicas.

            O problema de segurança não deve estar adstrito ao repertório tradicional do direito e das instituições da justiça, particularmente, da justiça criminal, presídios e polícia, as soluções devem residir no fortalecimento da capacidade do Estado em gerir a violência, no gerenciamento das políticas públicas de segurança e na interação das instituições públicas com a sociedade civil.

            Do ponto de vista macro-sociológico, a violência criminal seria conseqüência de um modelo econômico excludente e violento, e portanto, numa visão simplista, a solução estaria apenas na incrementação da melhoria das condições econômicas da população, o que não pode ser afastado como uma das estratégias de políticas públicas, mas não se deve incorrer no erro de que o oferecimento de bolsas-famílias meramente assistencialistas, sem a exigência ou avaliação de resultados seria a solução do problema da violência no país. Nesta esteira de entendimento, a violência seria apenas um problema de administração pública, vinculado mais à assistência social e à saúde pública do que ao direito penal.

            Não penso assim. Há que se aplicar de modo concomitante às políticas públicas de natureza social as ações do poder público na área criminal e de segurança pública, ações de natureza policial e jurídico-penal objetivando o combate ao crime.

             A questão fundamental é a interligação entre a atuação da polícia e as informações que alimentam o sistema, através das ações de parceiros. As estratégias de enfrentamento do crime e da criminalidade devem se basear em dados , traduzidos e elaborados, em trabalho de inteligência.

            É necessário elaborar-se novas estratégias de segurança pública em nossa Cidade, políticas de segurança pública, conciliando medidas diretas de prevenção ao crime com processos mais elaborados, vinculados aos esforços sociais, como escola, saúde, emprego e moradia. Não devem as políticas estar focadas apenas nos já citados “bolsões de pobreza”. Necessários se apresentam investimentos em vigilância eletrônica; reforma dos departamentos de polícia, estruturando e valorizando o trabalho policial, com salários dignos e formação técnica adequada, bem como com supervisão e avaliação do trabalho de rua do policial, com vistas a minimizar a corrupção, a violência e a ineficiência de ações policiais.

            A violência é problema de problemas sociais e políticas sociais. O crime é problema de políticas criminais.

            Em Vitória da Conquista seria positiva a implantação de políticas locais de segurança, para o enfrentamento, territorializado no município, do crime e da violência, adotando algumas iniciativas, a exemplo das indicadas num novo paradigma de políticas de segurança pública, sistematizado pelo Doutor e mestre em Sociologia pela USP, Prof. Luís Antônio Francisco de Souza¹:

  1. identificação de parceiros, incluindo sociedade civil;
  2. elaboração de um diagnóstico do problema da violência, incluindo informações estatísticas detalhadas de um período razoavelmente longo;
  3. discussão do diagnóstico com os parceiros;
  4. estipulação de responsabilidades compartilhadas;
  5. definição de prioridades e estratégias para atingi-las;
  6. definição detalhada de formas de atuação e resultados esperados;
  7. avaliação dos resultados  e novas estratégias de planejamento.

           

            Seria a adoção de um novo modelo de políticas locais para o diagnóstico e ações de combate ao crime, mas não se desprezando a integração de esforços com políticas estaduais tendo a área do município apenas como foco. O parceiros devem ter informações para poderem tomar posição frente às co-responsabilidades assumidas.

            Assim, teremos como exemplo de ações integradas: – implantação pela Polícia Militar de policiamento comunitário; monitoramento de áreas de maior circulação de pessoas por sistema de fiscalização eletrônica, ou ampliação do já existente; planejamento de ações de polícia pró-ativa e não reativa; policiamento modulado, diferenciados em áreas vulneráveis; Poder Judiciário: incrementar o acesso à Justiça, através da dinamização dos Juizados Especiais cíveis e criminais; maior celeridade nos julgamentos de processos criminais; Defensoria Pública: atendimento dos necessitados nas questões jurídico-penais e outros ações inerentes às funções da instituição; Governo Municipal: implantação de políticas públicas visando a criação de vagas de emprego, cursos de formação profissional; programas de transferência de renda e de apoio às populações mais vulneráveis; programas de conscientização dos jovens quanto ao problema das drogas; criação de instituições de abrigamento e tratamento de jovens usuários, apoio aos Conselhos Comunitários de Segurança, estes, por sua vez, apoiando também como parceiros em levantamento de informações junto à comunidade e fazendo ponte entre a comunidade local e os trabalhos de ações integradas, apoio logístico, etc. Polícia Civil: reestruturação e aparelhamento da polícia civil; aprimoramento e otimização das investigações criminais; programas de preparação do policial para o desenvolvimento do trabalho especializado no combate ao crime; capacitação de pessoal para o combate ao crime organizado, inclusive das drogas, etc. Ministério Público:  controle externo das atividades policiais; fiscalização da aplicação dos recursos governamentais nas políticas de segurança pública e cobrança de tais aplicações através de ações judiciais (ação civil pública) específicas; acompanhamento de investigações criminais e da atuação das polícias preventiva e repressiva, entre outras atribuições institucionais, etc. 

            É bom lembrar que os Municípios têm que fazer projetos de segurança para ter direito a repasses do Fundo de Segurança Pública, onde, temos conhecimento, que sobra dinheiro, por falta de apresentação de tais projetos pelos Municípios.

            Enfim, a porta de entrada para a solução do problema da violência em Vitória da Conquista, assim como em todo o país, é a priorização da segurança pública.

Quero, neste momento, trazer o exemplo dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, por considerá-lo de suma importância ao debate, como modelo de superação dos problemas da violência e criminalidade no Estado, as quais foram diminuídas a níveis suportáveis:

Os Estados de São Paulo e Minas Gerais, hoje, são considerados paradigmáticos na obtenção de resultados em segurança pública no Brasil. Primeiro, porque elegeu a segurança pública como prioridade e segundo, porque adotaram estratégias específicas, a saber, em síntese:

São Paulo: reduziu os homicídios em torno de 70% de 1999 até 2007.

Estratégias: aumentou consideravelmente os investimentos de recursos na segurança, partindo de uma dotação de 3 bilhões e setecentos mil em 1996, para 7 bilhões e quatrocentos mil em 2006, o que fora aplicado na ampliação e reestruturação da delegacia de homicídios que passou a dirigir suas ações na solução de crimes e na identificação de homicidas contumazes; grande investimento nas atividades de inteligência e na perícia para robustecer as investigações e conseqüentemente obter condenações mais tenazes; o crescimento da população prisional, triplicando o número de detentos em dez anos (criminoso fora da rua, crime em declínio), dando mais condições às Delegacias de atuarem na área pertinente de investigações criminais; investimentos em delegacias especializadas em roubos de veículos e seqüestros foi capaz de reduzir o número de crimes desta natureza; mobilização da sociedade civil através de projetos em áreas de risco.

Minas Gerais:  reduziu em 50% os crimes violentos a partir de 2003

Estratégias: MG investiu mais de 700 milhões em segurança pública em 2003, passando a ser o estado brasileiro que mais investe proporcionalmente na área; adotou um modelo gerencial de integração das forças policiais militares e civis na segurança pública e de sua articulação com projetos de prevenção, além de parcerias com universidades e organizações da sociedade civil. Esse modelo de ações integradas através de uma gestão por resultados facilita o planejamento e análise de dados. Repressão qualificada de homicídios focalizada na identificação de homicidas contumazes; foi montada uma estrutura de prevenção no interior do governo; ações de unidades territoriais de policiamento integrado em crimes mais focalizados, a exemplo dos delitos contra o patrimônio, mais comuns na vida urbana; incrementou a transferência de presos da Polícia Civil para o sistema prisional.

São Paulo teve como foco o ataque à impunidade, com o aumento do número de operações policiais e de prisões, bem como da população prisional. Minas Gerais diagnosticou a desorganização das estruturas de defesa social, dando origem a ações de reestruturação nas formas de gestão do sistema.

Pontos comuns nos dois estados: a segurança pública teve prioridade política traduzida em dotações orçamentárias; implantação de eficientes sistemas de informações utilizados como ferramentas de monitoramento e avaliação operacionais – em São Paulo, o Infocrim e em Minas Gerais, o IGESP; incremento de ações de inteligência no cotidiano das organizações policiais; profissionalização e valorização de uma nova geração, sem vícios e cacoetes dos velhos policiais, como elemento de renovação e introdução de inovações.

CONCLUSÃO:

De todo o exposto, entendemos que é necessária a conscientização por todos (governos, instituições, sociedade civil, etc) de que ações de defesa social não se esgotam nas atividades policiais, aspectos repressivos ou nas ações da justiça criminal, mas há que haver uma complementação de tais ações por projetos que visam o desenvolvimento social e a recuperação de controle por parte da própria população em áreas e comunidades de nossa cidade.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

(1)                       SOUZA, Luís Antonio Francisco de. Violência no Brasil e políticas de segurança pública. Material da 3ª aula da Disciplina Política Criminal, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Ciências Penais – Universidade Anhanguera – UNIDERP/REDE LFG;

(2)                       BEATO FILHO, Cláudio Chaves – Sobre Caveiras, Impunidade e Desenvolvimento Social na Segurança Pública. CRISP – Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/artigos/sobre-caveiras-impunidade-e-desenvolvimento-social-na-seguranca-publica. Material da 3ª aula da Disciplina Política Criminal, ministrada no Curso de Pós-graduação Lato Sensu Televirtual em Ciências Penais – Universidade Anhanguera – UNIDERP/REDE LFG.

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