Rodrigo Rangel – O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Encarregado de coordenar as ações federais de combate à lavagem de dinheiro, o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, foi gravado pela Polícia Federal tentando evitar um flagrante no aeroporto de Guarulhos que levou à detenção de sete pessoas e à apreensão de US$ 160 mil que estariam sendo levados ilegalmente para Dubai.      

As conversas, interceptadas com autorização da Justiça, revelam que Tuma Júnior foi acionado horas depois de agentes da PF lotados no aeroporto descobrirem, em 28 de junho do ano passado, os dólares na bagagem de familiares da deputada estadual Haifa Madi (PDT).

A tentativa de Tuma Júnior de evitar o flagrante apareceu na investigação graças à interceptação do telefone de seu braço direito no Ministério da Justiça, o policial Paulo Guilherme Mello. O assessor foi destacado pelo secretário para solucionar o problema. Num dos diálogos, é o próprio Tuma Júnior quem trata do assunto.

De acordo com relatório da PF a que o Estado teve acesso, Tuma Júnior e Mello foram acionados por um escritório de advocacia. Ao ser informado de que já não era mais possível evitar o flagrante, Tuma Júnior lamenta. “É, paciência, né”, diz. Em seguida, diz a Mello: “O doutor lá era daquele esquema, entendeu? Entendeu? Fala hoje lá com aquela autorid… com aquela pessoa lá”. “O cliente do doutor lá tava empepinando, entendeu?”, completa o secretário.

Ao dar satisfação a Tuma Júnior, Mello usa uma figura de linguagem para dizer que já não havia mais tempo: “O corpo já perecia há mais de doze horas, mais de doze horas, quase dezoito horas quando me trouxeram a informação, entendeu? Os destinos já estavam consumados”. “Já tá com via de… guia de encaminhamento”, disse, referindo-se ao fato de que, naquele instante, o flagrante já havia sido lavrado. “É, o corpo já estava putrefato”, lamenta Tuma Júnior.

O próprio secretário afirma, no diálogo, ter sido acionado tardiamente. O “pedido de socorro”, de acordo com a PF, foi feito por Francisco Teocharis Papaiordanou Júnior, amigo de Tuma Júnior. Papaiordanou é conselheiro do Corinthians, clube do qual Tuma Júnior foi diretor de Futebol. Nos diálogos, o secretário se refere a Teocharis como “Grego”. “Falei pra ele: “Muito tarde, mas vou chamar Guilherme”. Eu chamei (você) no rádio, mas essa p… não atendia”, diz Tuma Júnior.

Para atender o pedido de Tuma Júnior, Mello disparou uma série de telefonemas e acionou policiais federais em serviço no aeroporto. Mesmo não havendo mais possibilidade de evitar o flagrante, o assessor relata ao chefe Tuma Júnior ter tomado outras providências. Conta ter acionado um contato na delegacia da PF em Cumbica para ao menos minimizar o problema. Grego, àquela altura, já havia sido avisado da providência “Hoje, pelo menos tava o Relê tava lá no aeroporto, eu mandei… eu passei a informação pra ele (Grego) pra pessoa procurar o Relê lá pra obter algum privilégio, né, alguma coisa que… alguma…conforto pelo menos lá pro amigo dele, né”, diz Mello a Tuma Júnior.

Lobby. Em relatório encaminhado à Justiça Federal, os investigadores da PF apontaram a necessidade de avançar em relação ao lobby do secretário.

No relatório, antes de defender novas diligências para apurar a atuação de Tuma Júnior e de seu assessor no caso, os policiais afirmam que os dados de inteligência permitem formar alguma convicções, como “conhecimento prévio de Romeu Tuma Júnior, de eventual prática ilícita, envolvendo crimes financeiros, por parte das pessoas envolvidas na apreensão de valores”.

O documento realça o fato de Tuma ter entre suas atribuições o combate à lavagem de dinheiro. Diz que os diálogos evidenciam “eventual favorecimento de Romeu Tuma Júnior, na sua área de alçada, em crimes relacionados à evasão de divisas ou lavagem de dinheiro”.

Coordenar as ações de combate à lavagem de dinheiro é uma das principais atribuições da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), ocupada por Tuma Júnior desde 2007. É sob o guarda-chuva da secretaria que funciona o Departamento de Recuperação de Ativos, o DRCI, que tem por função promover a repatriação de recursos remetidos ilegalmente para fora do país. Outra atribuição da SNJ é cuidar de assuntos relativos à entrada de estrangeiros no País.

Na última quarta-feira, o Estado revelou as ligações de Tuma Júnior com Li Kwok Kwen, o Paulo Li, apontado pela PF como um dos chefes da máfia chinesa em São Paulo. Documentos apreendidos durante seis meses de investigação revelaram que, de um lado, Li cobrava para legalizar a situação de chineses ilegais no País e, de outro, contava com a ajuda de Tuma para facilitar a tramitação dos documentos no Ministério da Justiça.

Com base nas ligações de Tuma Júnior com Li, os encarregados do caso defenderam a abertura de inquérito à parte para investigar o secretário. Até ontem, porém, o inquérito não havia sido aberto.

Ações sob suspeita

O amigo da máfia
Telefonemas e e-mails interceptados Ligaram Tuma Jr. com Pauli Li, apontado como expoente da máfia chinesa

Passe livre
Com o Departamento de Estrangeiros sob seu comando, operou para dar vistos a chineses em situação irregular.

O pistolão
Inconformado com reprovação do futuro genro no concurso da Polícia Civil de SP, Tuma Jr. articulou para aprová-lo.

Mão amiga
Relatório da PF mostrou ação de Tuma Jr. para liberar mercadorias apreendidas de Fang Ze, do esquema de Paulo Li.

Diálogos interceptados

28 de junho de 2009

16h01min09s

Após o registro de um flagrante no aeroporto de Guarulhos, com prisão e apreensão de US$ 160 mil, Paulo Guilherme Mello, assessor de Romeu Tuma Jr., é procurado por Francisco Teocharis Jr, conhecido como Grego. Começa uma operação, com participação de Tuma Jr., para tentar reverter o flagrante

Grego: Deixa eu falar uma coisa! É… o negócio é o seguinte Guilherme! É… então aguarda um pouquinho que eu vou conversar com a pessoa que quem tá aqui falando aqui é o advogado dele que é amigo do homem que é advogado! E (inaudível) a serviço entendeu? Então eu quero saber… eu vou falar pra ele ver se ele quer que você vá até lá, entendeu? Se há necessidade de você sair de casa!

Mello: Tá bom! Eu vou tentar mais um pouco ver se o Tião atende, porque eu tô ligando daqui da casa da minha mãe e não pega o… direito! Eu não sei o que acontece com o telefone (inaudível).

Grego: Entendeu? Porque daí é o seguinte! Qualquer coisa cê… pra passar no posto lá!

Mello: Mas de qualquer forma o Grego… rolando a situação o cara não tá mais lá! Se foi cana, entendeu? Eu tô achando que tem mais coisa! Só por evasão de divisa não ia enfiar um flagrante nele! Acho que não! Não sei! Só se mudou a lei!

29 de junho de 2009

22h21min21s

Tuma Jr. fala com Mello sobre a apreensão dos dólares em Guarulhos. Mello fala para o chefe que, quando foi procurado por Grego, já não dava para fazer mais nada. Tuma lamenta e diz que o doutor, envolvido no caso, era ”aquele esquema”

Mello: Oh, Romeu, que m. é essa aí do negócio do Grego? Cê não… cê não me falou nada, cara. Agora, ele tava delirando, né, com a estória. Ele não entende como é que funciona.

Tuma Jr.: O cara lá era o…o doutor lá era aquele esquema, entendeu? Entendeu? Fala hoje lá com aquela autorid… com aquela pessoa lá e… pra ver se resolvia aquela parada, mas o Grego não sabe. O cliente do doutor lá tava empepinando, entendeu?

Mello: Não, isso eu sei Romeu, mas é…você é delegado. O negócio já…o corpo já perecia há mais de doze horas, mais de doze horas, quase dezoito horas quando me trouxeram a informação, entendeu? Os destinos já estavam consumados.

Tuma Jr.: É, paciência, né? Paciência. Fica frio que “campei” aqui em Brasília (…) Mas tive um resultado positivo. Mas falei pra ele: “Muito tarde, mas vou chamar Guilherme”. Eu chamei no rádio, mas essa p. não atendia. Mas tudo bem, né?

(…)

Mello: Eu liguei pro Grego, quando me falou eu falei “Grego, primeiro que acho que tem boi na linha, segundo, pelo tempo que você… da ocorrência pra você tá me acionando agora, o negócio já… já tá consagrado. Mas aí eu fui atrás (…) e os caras falaram “esquece”. Já tá e já tá com via de… guia de encaminhamento.

Tuma Jr.: É, o corpo já tava putrefato (…)

Mello: É, paciência, mas tudo bem. Hoje, pelo menos tava o Relê tava lá no aeroporto, eu mandei… eu passei a informação pra ele pra pessoa procurar o Relê lá pra obter algum privilégio, né, alguma coisa que… alguma… conforto pelo menos lá pro amigo dele, né.

30 de junho de 2009

09h14min21s

Mello liga para a PF em Guarulhos e conversa com a uma policial identificada como Regiane. Diz que Tuma Jr. queria informações sobre o flagrante.

Regiane: Então, e os seus amigos saíram ontem. Os seus não, quer dizer, as pessoas as quais você queria informação, né?

Mello: Foram pro hotel?

Regiane: Não, não foram pro hotel não, foram pra casa. Era uma família de sete pessoas, inclusive a filha do ex-prefeito do Guarujá, cuja mãe é deputada. (…) Eles tavam tentando ir pra Dubai com aproximadamente cento e sessenta mil dólares.

Mello: P., é turismo isso? (…) Na verdade eu quero que se f. a família, só… eu queria é dar informação pro meu chefe. Porque se tinha parlamentar no meio, alguém… alguém lá em Brasília consultou ele, né? Ele só queria informação, entendeu, pra dar notícia correta, porque fica aquele tumulto, né? (…)

Regiane: Pois é, meu bem, mas felizmente agora eu to conversando com você com mais tranquilidade porque ontem disse que o que ligou de colega, o que ligou de político, o que veio de gente querendo saber de informações, a gente não podia falar nada, né?

Mello: Não, mas tá ótimo. Eu acho que ontem o Romeu não… ligou só uma vez a respeito, de manhã, acho que depois ele obteve a informação de outra forma.

Regiane: É. Veio o Arnaldo Faria de Sá no final da tarde, né, veio ele. Mas tá tudo bem. E você, tá bem?

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