Quando percebeu que pagaria sozinho pelo esquema de desvio de verbas públicas, ex-secretário resolveu colaborar. Leia a segunda parte da entrevista exclusiva de Aessandra Queiroga

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Acuado por uma série de denúncias e abandonado pela mulher e por Arruda, Durval resolveu abrir o jogo

Rudolfo Lago

Operador de um esquema milionário de desvio de recursos públicos, o ex-secretário de Assuntos Institucionais do Governo do Distrito Federal resolveu ter como seus melhores amigos gravadores e câmeras de vídeo, que ficavam escondidos nos desvãos da sua casa ou de seus escritórios. Primeiramente, eles eram salvo-condutos para que Durval pudesse continuar transitando incólume no pântano de corrupção que ajudou a criar.

À medida porém, em que o esquema de desvio ia se ampliando e seus braços se tornavam mais evidentes, Durval foi percebendo que o sistema de  proteção que criara não vinha sendo suficiente para protegê-lo. Alvo do Ministério Público, Durval era já personagem principal das Operações Aquarela e Megabyte. Primeiro, em 2007, foi a Operação Aquarela, que investigou um esquema que envolvia instituições bancárias, entre elas o Banco Regional de Brasília no governo Joaquim Roriz, no desvio de verbas públicas. O envolvimento direto de Durval surgiu de forma mais explícita na Operação Megabyte. Também com a participação da promotora Alessandra Queiroga, a Operação Megabyte investigou, em 2008, irregularidades na compra sem licitação de serviços de informática, de muitas das mesmas empresas que surgiram agora na Operação Caixa de Pandora. Na verdade, a sistemática já era a mesma: dispensa de licitação para pagamento mais alto dos serviços para que se pudesse, com esse recurso a mais, tirar o dinheiro que era desviado para a corrupção e o pagamento de propina a aliados a integrantes do esquema.

Na Operação Megabyte, há já  uma operação de busca e apreensão na casa de Durval Barbosa. Exposto, o ex-secretário vê as coisas começarem a se complicar para o seu lado.  Sua vida familiar começa a ruir. Separa-se da mulher num processo turbulento. O cerco a ele se fecha. A proteção que esperava que viesse de Arruda, até com a promessa de que tinha nas mãos o Ministério Público do DF, não vem. Acuado, Durval admite a hipótese de contar o que sabe. Com a intermediação do jornalista Edson Sombra, informante de Alessandra e amigo do ex-secretário, Durval negocia sua delação premiada. E passa a ser, como mostra Alessandra na entrevista abaixo, prisioneiro do que fez e viu no Governo do Distrito Federal.

Congresso em Foco – Com a Operação Caixa de Pandora, nós nos deparamos com um dos mais explícitos e detalhados esquemas de corrupção que já foram investigados no país. Como se desvendou esse esquema? Como se chegou em Durval Barbosa? Que relação esse caso tem com outros esquemas que já eram investigados?

Alessandra Queiroga – O Durval Barbosa estava já há muito tempo descontente com os rumos que as coisas estavam tomando contra ele. Ele estava fazendo a gravação desses vídeos, e essa história corria pela cidade. A gente já vinha há muito tempo investigando Durval e processando ele. Por isso, nós achávamos muito difícil conseguir ter acesso a ele, tal o nível de envolvimento e a consistência das provas feitas contra ele em outros procedimentos. Mas encontrei uma brecha para isso quando o Edson Sombra me procurou. O Sombra é uma pessoa que conheço há muitos anos, que já me ajudou com informações relevantes em várias investigações. Ele me disse que tinha assistido esses vídeos, e que o Durval estava muito insatisfeito com o Arruda e com o comportamento dele no rumo que as coisas estavam tomando. E que ele estava disposto a falar com alguém. Ele já tinha mostrado os vídeos a algumas pessoas. Eu senti, pela conversa com o Edson que, ele, se encontrasse as condições corretas, iria colaborar. Daí, eu falei em delação premiada. Eles ficaram de ver o assunto. E acabaram me retornando e marcamos um primeiro encontro onde já vi alguns vídeos. E os vídeos falavam por si. Além disso, a possibilidade do fato de ele se manter secretário e nos auxiliar a partir desse posto, uma infiltração dentro do próprio governo para poder comprovar tudo o que ele estava dizendo, me pareceu uma chance única.


Esse primeiro contato, quando foi?

Em julho do ano passado. O atual procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tinha acabado de tomar posse. Logo que eu tive acesso aos primeiros vídeos, eu e meu colega, Wilton Queiroz, fomos ao procurador-geral da República e dissemos o que estava acontecendo. Ele foi muito rápido. Já designou uma sub-procuradora, Raquel Doge, para cuidar do caso. A partir daí, demorou um mês e meio, dois, para ele colaborar formalmente. Tempo para a gente avaliar a consistência do material que Durval tinha para apresentar e a confiabilidade do que ele estava falando. Então, ele passou por um primeiro crivo nosso. Quando ele se disse pronto – era um passo importante para ele dar –, ele foi levado por nós ao nosso Núcleo de Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público do DF para prestar o primeiro depoimento formal, na primeira semana de setembro. Foi, então, encaminhado ao Ministério Público federal que requisitou a instauração de inquérito da Polícia Federal. 

Todos esses vídeos que nós acabamos conhecendo, onde aparecem Arruda, Leonardo Prudente (ex-presidente da Câmara, que aparece escondendo dinheiro na meia), Eurides Brito (deputada distrital, que aparece guardando dinheiro numa bolsa), etc, eles já tinham sido gravados por Durval antes do primeiro contato?

Foram gravados vídeos depois também. Ele já tinha gravado vídeos antigos, da época da campanha, foi gravando enquanto estava no governo e continuou gravando depois que passou a ser nosso colaborador. Enquanto ele conversava comigo e com o Wilton ele apresentou outros, que estavam sendo gravados naqueles dias, e depois continuou gravando com o equipamento da Polícia Federal.

Isso parece importante, porque um argumento que se ouve de muitos envolvidos é de que se trata de dinheiro de campanha, buscando caracterizar um crime eleitoral que já teria prescrito…

Não é assim. O próprio ambiente físico demonstra. Quando era época de campanha, as conversas eram na sala da Codeplan (Companhia de Desenvolvimento do Planalto, Durval presidia a empresa no governo Joaquim Roriz). Outros vídeos já são gravados no gabinete de Durval na Secretaria de Assuntos Institucionais do governo José Roberto Arruda.

Inclusive com a foto oficial de Arruda aparecendo algumas vezes…

Exatamente. E há os vídeos e os áudios gravados com equipamento da Polícia Federal. A investigação foi muito bem feita. Se não tivesse havido o vazamento, muitos elementos ainda apareceriam.

Como a senhora mesma disse, já havia a informação de que Durval gravava Arruda e outros. O que chama a atenção é por que Arruda mantinha Durval à frente de um esquema desses mesmo desconfiando que ele fazia gravações de conversas comprometedoras. Não era para Arruda ter afastado Durval do esquema?

Há momentos que mostram a preocupação de Arruda. Quando, no vídeo, ele pega o dinheiro e para, pensa, reflete se é bom ou não fazer aquilo ali. Acho que o Arruda deve ter ficado sabendo que era gravado logo no início do governo. Por conta das ações que já corriam contra Durval nos casos da Linknet, da Codeplan, houve uma pressão muito forte do Ministério Público para que Durval não se tornasse secretário, não tivesse foro privilegiado. E Arruda insistiu em fazer dele secretário mesmo assim. Nós fomos incisivos nisso, e o Arruda sempre dizia: ‘Tem que estar transitado em julgado, não posso punir o Durval sem ele estar condenado’. O Durval era muito hábil no que ele fazia. Tinha a confiança de Roriz. Na verdade, acho que Arruda mantinha o Durval porque julgava que não tinha alternativa. Se estava gravado, se prejudicasse o Durval, se deixasse o Durval na mão, ele teria algum problema. Tanto que ele montou a história do panetone antes para tentar explicar o dinheiro. Isso revela uma preocupação com a hipótese do caso estourar, embora não parecesse que ele tenha dado o valor correto do que poderia acontecer. Mas eu acho que ele não tinha como se livrar do Durval. Pela ganância, de precisar do esquema que só o Durval sabia operar. E não tinha como se livrar  para não desagradá-lo, para que ele não revelasse as coisas que ele sabia e que podiam comprometê-lo.


Por que ele resolveu inverter o jogo e usar como arma de acusação o que inicialmente era feito só para sua proteção?

A sensação que eu tinha é que Durval estava contra a parede. Ele tinha informação de que órgãos de imprensa estavam fazendo campanha contra ele. Ele tinha a informação de que o Arruda pedia ao Ministério Público para acabar com a vida dele. Estava totalmente acuado. Depois, ele teve busca e apreensão na casa dele. Ficou exposto. Os familiares. Se separou da esposa. Ele foi vendo a vida ruir e foi sentindo que as pessoas que realmente tinham se beneficiado estavam saindo ilesas e, ao contrário de ajudá-las, estavam querendo que ele pagasse por tudo sozinho. Ele admitia mesmo que fazia os vídeos para se proteger. Mas, a partir do primeiro contato com o Ministério Público, ele realmente inverteu a postura. Eu e o Wilton dissemos a ele: ‘Você tem certeza que quer fazer?’ Ele passou a ter total consciência de que ela ia passar a exercer um outro papel, o papel de colaborador. E a pessoa nessa situação, de colaborador, tem que ajudar a justiça a desvendar as coisas. Então, a partir daquele momento, a função dos vídeos já não poderia ser mais de protegê-lo. Era justamente para fazer um arcabouço probatório, uma coisa que possibilitasse desvendar todo o caso.


Para que as pessoas possam entender bem. Que vantagem uma pessoa ganha quando faz uma delação premiada e passa a ser colaborador? O Durval hoje está  absolvido dos eventuais crimes que cometeu?

A delação premiada, de certa forma, é uma espécie de prisão já. O colaborador tem que colaborar sempre. Ele não pode esconder mais nada. Se o Ministério Público, o Judiciário notar que ele está  escondendo algo, agrava a situação dele. Não pode omitir informação para se proteger, não pode nada. Ele não  é mais dono da situação. Ele é uma pessoa a serviço da Justiça. Ele não deixa de responder os processos. O que pode acontecer, no final, é o Ministério Público pedir redução de pena. Ou, em alguns casos, até isenção de pena. Isso é julgado caso a caso. E vai ser medido de acordo com o nível de colaboração que ele der. A colaboração atenua o caso. E a possibilidade da delação premiada é da maior importância. É impossível desvendar o crime organizado sem ter alguém lá dentro. Por mais que você faça escuta telefônica, que faça infiltração, precisa de alguém que saiba onde está o cofrinho, quem é o empresário envolvido, quem está no esquema. A gente não discute se o Durval é bom caráter, é mau caráter. Ele está colaborando? Enquanto estiver colaborando, terá um tratamento diferenciado, que pode, sim, chegar mesmo à isenção da pena. Mas ele está consciente de que tem de colaborar sobre tudo. Em diferentes níveis. Tem muita coisa que o Durval sabe porque era ele mesmo quem operava. Isso tem um peso. Tem outras que ele sabe de ouvir falar. Tem outro peso. Pode contar, mas não tem como provar. Mas dá várias dicas de investigação para nós. A delação premiada sempre interessa para nós Se alguém é integrante de uma organização criminosa, se essa organização é grande, se ele não é o chefe da organização, a delação premiada interessa muito para nós.

Congresso em Foco
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