RIO – Importantes autoridades do Vaticano, incluindo Joseph Ratzinger, então chefe da Congregação para Doutrina da Fé e que anos mais tarde viria a se tornar Papa, teriam ignorado casos de abuso sexual cometidos por um padre contra cerca de 200 menores surdos, de acordo com reportagem publicada nesta quinta-feira pelo jornal “The New York Times”.

Segundo o diário, o padre Lawrence Murphy cometeu os crimes quando trabalhou em uma renomada escola para jovens surdos entre 1950 e 1974 no estado americano de Wisconsin. O caso, entretanto, só começou a ser investigado em 1993, quando o arcebispo de Milwaukee àquela época, Rembert Weakland, recebeu as primeiras denúncias contra Murphy.

O “NYT” cita documentos que as vítimas apresentaram à Justiça dos EUA. Fazem parte do material correspondências entre os bispos do Estado e autoridades do Vaticano, incluindo algumas endereçadas ao cardeal Joseph Ratzinger, então responsável por tratar das questões disciplinares na Igreja Católica.

“O arcebispo Weakland contratou um assistente social especializado no tratamento de crimes sexuais para avaliar (Murphy). Após quatro dias de entrevistas, o assistente social afirmou que o padre admitiu seus atos, havia molestado provavelmente cerca de 200 garotos e que não tinha remorsos”, afirma o jornal.

Oito meses depois, o cardeal Tarsicio Bertone, atual secretário de Estado do Vaticano, ordenou a realização de um julgamento secreto que poderia ter levado à expulsão de Murphy da Santa Sé. O processo, diz o “NYT”, foi interrompido depois que o padre escreveu a Ratzinger dizendo que tinha se arrependido e que estava doente. Segundo o diário, Ratzinger nunca respondeu às cartas enviadas por Murphy. O cardeal também teria ignorado um pedido de Weakland, em 1996, solicitando a suspensão do padre a fim de “atenuar a indignação da comunidade e restaurar a confiança na Igreja.”

Murphy morreu quatro meses depois, sendo enterreado com suas vestimentas de sacerdote.

Em resposta ao “NYT”, Federico Lombardi, o porta-voz do Vaticano, reconheceu que Murphy violara a lei e que abusara de crianças “particularmente vulneráveis”, classificando o caso como “trágico”. A autoridade salientou que, quando o Vaticano tomou conhecimento dos casos de abuso, a saúde do padre estava bastante comprometida e que, por isto, o julgamento foi suspenso.

No último fim de semana, Bento XVI pediu desculpas a bispos, padres e vítimas de abuso sexual infantil cometido por membros do clero irlandês e anunciou uma investigação formal coordenada pelo Vaticano nas dioceses Católicas Romanas irlandesas e seminários envolvidos.

“Vocês sofreram dolorosamente e eu lamento sinceramente… Eu expresso abertamente a vergonha e remorso que todos sentimos”, disse Bento XVI em uma carta sem precedentes.

Na quarta-feira, Bento XVI aceitou a renúncia do bispo John Magee , de 73 anos, acusado de negligenciar relatos de abusos sexuais em sua diocese, em Cloyne, Irlanda. Quatro outros bispos irlandeses ligados aos escândalos ofereceram suas renúncias ao Papa, que já aceitou também o pedido de Donald Murray, em dezembro do ano passado.

O Globo

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