Um meio termo entre a ideia de distribuição nacional dos royalties do petróleo – como propõe a emenda Ibsen Pinheiro, aprovada na Cãmara – e as regras atuais, que concentram tais pagamentos nos estados produtores, como Rio de Janeiro e Espírito Santo. Levantamento feito pelo Congresso em Foco demonstra que a busca desse meio termo é a solução hoje pensada pela maioria dos senadores.

A emenda apresentada por Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) – e também assinada pelos deputados Humberto Souto (PPS-MG) e Marcelo Castro (PMDB-PI) – ao projeto 5938/90 altera altera o sistema de distribuição dos royalties e da participação especial dos contratos de exploração de petróleo já existentes, além daqueles a serem executados na camada do pré-sal. Ao contrário da regra atual, que concentra o pagamento dos royalties nas regiões produtores de petróleo, Ibsen propôs uma distribuição nacional igualitária. Com isso, estima-se que somente o Rio de Janeiro perderia R$ 7 bilhões da sua atual receita. 

Diante das várias possibilidades, o Congresso em Foco ouviu 51 senadores para saber o que eles pensam sobre o tema (confira a posição de cada senador ouvido).

O levantamento mostra que uma das alternativas mais consideradas é adotar a emenda Ibsen apenas para a partilha dos royalties do petróleo a ser extraído da camada do pré-sal – ou seja, para as operações de extração que ainda não estão em andamento. A estimativa é de que esse petróleo só seja retirado das profundezas do oceano daqui a uma década. 
 
Assim, o direito adquirido dos estados produtores de receber os recursos pelo petróleo pelas regras atuais estaria preservado, de forma a evitar uma perda repentina de receita dessas unidades da federação, notadamente Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os recursos do pré-sal – as estimativas indicam que a imensa reservada ali contida pode representar uma riqueza da ordem de R$ 10 trilhões – seriam distribuídos nacionalmente, para produtores e não produtores.

Essa alternativa à emenda é defendida por senadores com os mais variados perfis partidários. Dentre eles, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), Patrícia Saboya (PDT-CE), Romeu Tuma (PTB-SP), Tião Viana (PT-AC) e Valter Pereira (PMDB-MS).

“Cada um tem seu contexto. O segredo é harmonizar para convergir”, ponderou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).  

“É cedo, ainda está a começando [a tramitação da emenda no Senado]. Na Câmara essa discussão levou três meses”, disse à reportagem o próprio deputado Ibsen Pinheiro, um dos responsáveis pela polêmica, acrescentando que já disse tudo a respeito do assunto. “Eu não tenho mais o que falar. Agora é com os senadores.” 
RJ e ES

A alternativa está sendo construída. Mas mesmo ela não será a princípio recebida facilmente pelos dois estados que mais perdem com a emenda Ibsen, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Dois dos principais opositores da emenda garantiram ao Congresso em Foco: nem Rio de Janeiro nem Espírito Santo vão aceitar as perdas de receita estabelecidas na emenda.

“Pode escrever aí: aqui a emenda não passa de jeito nenhum sem o voto dos sete senadores [dos estados produtores]”, avisou Marcelo Crivella (PRB-RJ), referindo-se aos colegas dos dois estados, além de São Paulo, representado por Romeu Tuma – as exceções paulistas são Eduardo Suplicy (SP) e Aloizio Mercadante (SP), fiéis escudeiros do Planalto.

Crivella diz que a partilha é justa (“quem vota contra está cometendo um crime de lesa-pátria”), mas deve haver uma alternativa que “contemple de maneira diferenciada os estados produtores”. “Se não for assim, os sete senadores vão fazer falta ao governo inclusive para a votação dos outros projetos do pré-sal. Vai ser um ‘melê’!”

Além de Tuma e dele mesmo, Crivella se refere aos senadores Magno Malta (PR-ES), Renato Casagrande (PSB-ES), Paulo Duque (PMDB-RJ), Francisco Dornelles (PP-RJ) e Gerson Camata (PMDB-ES).

“A partir de hoje, estamos fechando uma posição muito firme, mesmo sendo da base, de não votar nada com o governo se essa emenda não for derrubada”, emendou Magno Malta. “Gostamos muito do presidente [Lula], mas gostamos muito mais dos nossos estados.”
 
Prós e contras

Exercendo provisoriamente a liderança do PT no Senado, Tião Viana avalia que a emenda Ibsen “é um grito a favor de uma nova distribuição” dos royalties. Entretanto, o petista é enfático ao argumentar que qualquer alteração na distribuição desses recursos não pode prejudicar os estados produtores.

“Não se pode arrebentar com um estado produtor. É um choque muito grande”, afirma Tuma, em referência à emenda Ibsen. Contudo, o senador paulista faz questão de destacar que o pré-sal é uma “descoberta nova”.

Alguns senadores são abertamente a favor da emenda. São eles: Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), Efraim Morais (DEM-PB), Epitácio Cafeteira (PTB-MA), Geovani Borges (PMDB-AP), João Ribeiro (PR-TO), João Vicente Claudino (PTB-PI), Mário Couto (PSDB-PA), Papaléo Paes (PSDB-AP) e Sérgio Zambiasi (PTB-RS).

“Eu sou a favor”, diz ACM Júnior, ressalvando que a emenda “pode sofrer ajustes, por questões constitucionais”, justamente porque atinge contratos já licitados, no que diz respeito ao repasse da União aos estados e municípios (60% dos valores totais pagos por empresas envolvidas na exploração do minério). Para o senador baiano, a União poderia muito bem compensar as perdas de receita dos estados produtores. “É inaceitável voltar ao modelo antigo.”

Para senadores como Lobão Filho (PMDB-AL) e João Tenório (PSDB-AL), a emenda Ibsen é justa na medida em que promove a manutenção do pacto federativo. Além disso, dizem os parlamentares, ela define de maneira mais igualitária para estados e municípios a distribuição dos recursos provenientes da extração do petróleo.  
 
No lado oposto da discussão, todos os senadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo são contrários à matéria. Além deles, o senador Fernando Collor (PTB-AL), nascido no Rio de Janeiro, é contra a medida.

“Sabe como eu classifico a emenda? Irresponsável, eleitoreira, criminosa e oportunista”, condenou Magno Malta (PR-ES), um dos parlamentares que participaram do ato “contra a covardia, em defesa do Rio” organizado pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), na última quarta-feira (17). “Royalty é para ressarcir a degradação nos estados produtores.”

Ex-secretário da Receita Federal e ex-ministro da Fazenda, o senador Francisco Dornelles defende a retirada da urgência da matéria (apreciação obrigatória nas comissões em até 45 dias, com votação em plenário), inclusive com a hipótese de desmembramento dos outros três projetos do pré-sal (fundo social, petro-sal e capitalização da Petrobras).

“Mudar o sistema de partilha de forma retroativa fere gravemente os princípios constitucionais.”

Além deles, outros senadores procurados pela reportagem afirmaram que ainda estão estudando a matéria. São eles: Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), João Durval (PDT-BA), Mão Santa (PSC-PI), Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Wellington Salgado (PMDB-MG).

Emenda à emenda

Outra possibilidade é a alternativa apresentada à própria emenda, aprovada na Câmara, pelo deputado Ibsen Pinheiro ao senador Pedro Simon (PMDB-RS), que deve relatar a matéria na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A nova proposta deixa para a União a responsabilidade de compensar a perda dos estados produtores com a redistribuição dos royalties.

A ideia não agradou à base governista. “Tirar da União é tirar da educação, da saúde etc”, afirmou Jucá, explicando que o governo utiliza os royalties na composição e no contingenciamento de recursos que garantam o superávit primário (economia ou reserva a ser utilizada no pagamento de juros da dívida pública). “No novo modelo do pré-sal vai haver o fundo social, e esses recursos irão para o fundo.” 

“Temos de tirar [a compensação das perdas de receita dos estados produtores] do bolo da União, que sempre fica com tudo”, disse o vice-líder do PSDB Alvaro Dias (PR), para quem a emenda “tem um lado de verdade que deve ser aproveitado”.

Educação

De outro lado, os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) defendem que o dinheiro do pré-sal seja investido exclusivamente na educação. Os senadores argumentam que o petróleo é um bem que está em vias de extinção e que seus rendimentos devem ser aplicados em algo duradouro.

“Essa é a única forma de nós não cometermos o crime de roubarmos as nossas crianças, de roubarmos o nosso futuro. Queimar petróleo é roubar petróleo que deveria pertencer às crianças, que deveria pertencer ao futuro”, disse Cristovam em discurso proferido segunda-feira (22) na tribuna do plenário.

“O petróleo tem dois problemas: ele se esgota e ele fica obsoleto dentro de alguns anos mais. Então, guardar o petróleo não se justifica”, acrescentou o ex-ministro da Educação do primeiro mandato do governo Lula. “A gente pensa que o petróleo tem valor, mas não tem nenhum valor. O valor vem da aplicação do conhecimento humano para que o petróleo se transforme em riqueza.”
 
* Colaborou Renata Camargo
Congresso em Foco

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