Um fantasma ronda os protagonistas das duas maiores crises do Senado neste começo de século. O líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), recontratou uma servidora exonerada ano passado pelo presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), acusada de receber dos cofres públicos sem trabalhar. Vânia Lins Uchôa Lopes está lotada no gabinete de Renan desde setembro, três meses após ter sido dispensada por Sarney da presidência.

A assessora é casada com Ildefonso Tito Uchôa, primo de Renan e apontado como laranja do senador em emissoras de rádio em Alagoas. Vânia é sócia do marido em uma agência de veículos investigada pela Polícia Federal por ter emprestado ao senador R$ 178 mil não declarados à Receita. Os dois casos resultaram na abertura de processos de cassação de Renan no Conselho de Ética do Senado. Em meio a uma enxurrada de denúncias, o senador escapou duas vezes da cassação em plenário, mas foi obrigado a renunciar à presidência da Casa em 2007.

Contratada desde abril de 2005, Vânia foi exonerada por Sarney no dia 29 de junho de 2009, dois dias após o jornal Folha de S. Paulo revelar que o nome dela figurava na relação dos funcionários do gabinete da presidência do Senado. No auge da crise dos atos secretos, que quase lhe custou o mandato, Sarney negou conhecer a assessora, atribuiu sua contratação ao ex-presidente Renan e a exonerou imediatamente do cargo. Na presidência, ela exercia uma função comissionada (FC08) que lhe garantia um dos salários mais altos da Casa, de R$ 10 mil, mesmo valor pago, por exemplo, aos chefes de gabinete.

Mas o desemprego de Vânia durou pouco. Precisamente 80 dias. O boletim administrativo de 22 de setembro trouxe a nomeação da servidora para o cargo comissionado de assessor técnico, SF02, no gabinete de Renan. O salário líquido é de R$ 5.732,22. Com o auxílio-alimentação, chega a R$ 6.370,22.

O ato, assinado pelo diretor-geral da Casa, Haroldo Tajra, foi revogado por ele mesmo no dia 6 de novembro. Novamente, Vânia não ficou desempregada. No mesmo dia, o Ato 4109/2009 garantiu a recontratação da assessora para a mesma função.

Essa é a quinta vez que a servidora é contratada para trabalhar no gabinete de Renan desde abril de 1996. O nome dela está na lista dos assessores do senador no Portal da Transparência, do Senado. Ao todo, 66 servidores estão subordinados a ele na Casa: os 32 lotados em seus gabinetes em Brasília e Maceió, e outros 34 na liderança do PMDB.

O Congresso em Foco procurou duas vezes por Vânia Uchôa no gabinete de apoio de Renan em Maceió na última sexta-feira (5). Antes de responder, a secretária que atendeu ao telefone perguntou, primeiro, o sobrenome da assessora. Em seguida, afirmou: “Ela trabalha aqui. Ela vem todos os dias”. Na última sexta, porém, não estava. A reportagem ligou então para a casa de Vânia, mas recebeu a informação de que ela estava viajando.

A assessoria do presidente do Senado, José Sarney, afirmou que a responsabilidade pela nova contratação de Vânia não é sua, mas de Renan, e que não iria se manifestar mais sobre o assunto. Procurada para esclarecer os motivos da exoneração e da recontratação da servidora, a assessoria de imprensa de Renan Calheiros disse que não conseguiu fazer contato com o senador, passou um número de celular do próprio Renan, mas ele não atendeu à ligação. 

Empréstimo

Em 2007, um empréstimo de R$ 178 mil feito pela empresa de Vânia e Tito, a Costa Dourada, foi usado como justificativa por Renan para explicar como conseguia sobreviver com o salário de senador enquanto pagava uma pensão de R$ 8 mil para a jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha. O empréstimo, no entanto, não foi declarado pela Receita, conforme apontou a Polícia Federal.

Em depoimento ao Conselho de Ética, na época, Renan afirmou que não declarou a transação para evitar a exposição de questões pessoais. As explicações não convenceram a maioria do Conselho, que recomendou a cassação do senador. Ele era acusado de usar dinheiro de um lobista da empreiteira Mendes Júnior para pagar pensão à jornalista. O parecer, no entanto, acabou derrubado pelo plenário no dia 19 de setembro de 2007: 40 votos pela absolvição, 35 pela cassação e seis abstenções.

Vânia Lins Uchôa Lopes não é a única personagem do gabinete de Renan a ter despontado durante a crise que quase lhe levou à cassação em 2007. O outro é Carlos Ricardo Santa Ritta, apontado na época, junto com o marido de Vânia – Tito Uchôa –, como laranja do senador na compra de veículos de comunicação em Alagoas. Renan e os assessores sempre negaram ter cometido qualquer irregularidade.

Reportagem de Alexandre Oltramari, publicada pela revista Veja em 4 de agosto de 2007, acusava Renan de usar “laranjas” para comprar duas emissoras de rádio e um jornal em Alagoas, avaliados em R$ 2,5 milhões, em sociedade com o usineiro e ex-deputado João Lyra (PTB-AL).

Lyra contou à revista que o senador havia desembolsado R$ 1,3 milhão para se associar a ele no ramo da radiodifusão. “Ele me disse que não tinha como aparecer publicamente à frente do negócio, mas não explicou as razões. Por isso, pediu para colocarmos tudo em nome de laranjas. Eu topei”, disse o ex-deputado à Veja.

Segundo relatou a revista, como a Constituição proíbe que parlamentares sejam proprietários de concessionárias de rádio, o senador teria colocado Santa Ritta, seu assessor e ex-tesoureiro de campanha, como cotista principal da emissora JR Radiodifusão. O outro sócio escolhido, de acordo com Lyra e a revista, era Tito Uchôa.

Santa Ritta, relatou Veja, funcionou como guardião da outorga da rádio. De acordo com a revista, oficializada a concessão, o ex-tesoureiro repassou sua cota para Renan Calheiros Filho, prefeito de Muciri (AL), que se tornou sócio de Tito Uchôa. Na época, o primo do senador recebia um salário de R$ 1.390 da Delegacia Regional do Trabalho em Alagoas, sempre segundo a revista.

Durante a crise que paralisou o Senado, Renan chegou a anunciar a exoneração de Santa Ritta. Em outubro de 2008, o ex-assessor foi recontratado pelo gabinete do peemedebista.

A denúncia levou Renan a responder a novo processo de cassação. Novamente, o Plenário rejeitou a recomendação do Conselho de Ética e o absolveu. Em 4 de dezembro de 2007, só 29 senadores votaram pela perda do mandato. Outros 48 votaram a favor do senador alagoano e três se abstiveram.

Como revelou o Congresso em Foco em maio do ano passado, Renan cedeu 26 passagens da cota do Senado para quatro personagens envolvidos nas denúncias que resultaram em sua queda da presidência da Casa em 2007. Entre eles, o marido de Vânia, Tito Uchôa, e Carlos Santa Ritta.

Congresso em Foco

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